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quarta-feira, 14 de setembro de 2022

(Epístola para minha tia Eunice)


Numa tarde fria de uma estranha primavera...
chovia lá fora e o céu estava cinzento
minha mulher se aproximou e disse:
- Tia nice foi embora!
Não pude evitar aquele choro dolorido
aquelas lágrimas rolando pela minha face
frias como meu coração até então calado
me escondi no banheiro com vergonha
daquele choro que você não via.
devia ter chorado quando você me dava dinheiro pra beber e fumar
e estava desempregado,morando na sua casa porque você havia me buscado
mesmo sendo você uma crente da Assembleia que queria que eu fosse com você aos cultos
devia ter chorado quando você às madrugada sentava a beira da minha cama
me cobria e reclamava baixinho com as muriçocas para não me picarem
pois eu tinha alergia e ficava com imensos calombos
devia ter chorado quando você me disse que o teu Deus tinha lhe dito
que eu ia arrumar emprego na tv Cabrália do grupo Manoel Chaves
e assim,foi segundo a tua fé e não pela minha descrença
devia ter chorado quando você me esperava às 1 ou 3 nas madrugadas para esquentar minha janta e dormir tranquila por que eu havia chegado da minha vagabundagem notívaga
devia ter chorado quando pedi inúmeras vezes para não me esperar,mas você teimosamente me esperava
devia ter chorado por eu ter por fim ter visto teu amor por mim e ter tido pena de ti e voltar pra casa antes da meia noite
devia ter chorado quando você podia ver que aquele Deus que você adorava por fim me alcançou
devia ter chorado por ter pedaços imensos de ti dentro de mim me dizendo o quanto você me amava
devia ter chorado na tua presença para você saber que eu te amava,mas daí você me olharia com aqueles teus olhos ternos e não dormiria pelo resto da noite.
P.S. Obrigado por tudo!
 
Renildo Borges

 

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

(Quando o sol vai embora)



Queria falar de um grande amor
dos olhos dela
do seu sorriso
das flores de mentira do seu vestido
mas o lá fora é explícito
catam ossos
catam lixo
e morre-se comendo promessas

ah,se todo barulho de fogos
aos domingos
se transformasse em pão
se toda multidão dos estádios
fosse um mutirão
se todo fanatismo barato fosse amor
ao irmão

então eu poderia falar desse amor
sem dor
sem ventos que vem dizer
escute o choro...
a lista de mágoas é grande
minha inutilidade maior ainda
de tentar convencer
que um sorriso de quem precisa
 vale mais que o ego
desses homens cegos.

 Renildo Borges 


Rio de Janeiro 24 de Agosto de 2022
 

domingo, 12 de setembro de 2021

Fulano,Siclano e Beltrano

Eu sei que lhe apontaram o dedo
e sei que você chorou
tinham todos muitos livros
sobre ganância e dinheiro
mas nem uma linha tinha
sobre o sentimento alheio

E as cinzentas tardes passam
a paixão também passou
passou a doce alegria
tua louca fantasia
as juras,promessas feitas
teu corpo em brasas
em mãos frias
que acenou em despedida
assim que raiou o dia

Tentou outra vez ser feliz
uma,duas,três...
mas os homens iam e vinham
não por amor,mas por um prazer mundano
fulano,beltrano e siclano
ela então se tornou  difícil
não por que tivesse planejado
mas a sedução que ela tinha
no andar,no olhar,no seu jeito...
um perigoso sorriso
trazendo os homens em sua mão
teve até um suicídio e ela fria e sem compaixão

Eu sei que te condenaram
(teu corpo agora é de qualquer um)
Dizem as damas do high society
e não a querem em suas lojas
que vendem fantasias ,mas não caráter
onde seus fracos homens
sempre estão à espreita para vê-la passar
também não a querem em suas cozinhas
o seu tempero,teu corpo moreno,as tuas curvas
destemperaram a confiança delas
mulheres frias,insossas...
vomitando o despeito
de não poder ser do seu jeito

Renildo Borges

Rio de Janeiro 12/09/2021
 

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

A Sombra Ação
 
Você nunca me perguntou nada
Mas eu sempre estive ali
Nasci junto com você
Abracei os seus amores
Seus amigos
Suas dores
Ri quando você riu
Chorei quando você chorou
Joguei bola com você
Dançamos na discoteca
Beijei lábios que você beijou
Apanhei quando você apanhou
E bati quando você bateu
Por que você é eu
Na luz
Na vida
Tua escuridão me mata
Existo na claridade
Tudo que eu disse é verdade
E quando você partir
irei junto com você
Pra nunca mais existir.
 
 
Renildo Borges

 

Ladainha
 
Vocês não podem pagar pelos meu pecados
Como Absalão pagou por Davi
Não mandei matar o meu general
Nem deitei com a mulher dele
Prefiro você do meu lado
O teu abraço quente
Mesmo que esteja drogado
Não trocarei vocês
Por uma vida inteira
Por que a bebida te derrubou
E o instinto de sobrevivência
Falou mais alto que a hipocrisia
Dos que te vendem todo dia
Risca-me do seu livro
Que escreveste sem me perguntar
Quem eu amo
Quem eu amo já foi adúltera
Como aquela que você perdoou
Meus filhos são um presente
Que me deste
Você mesmo me disse isso
Como pode então
Me oferecer a vida infinita
Enquanto suas almas aflitas gritam
Limpando os pecados que eu cometi
Risque-me do seu livro
Se meus filhos não forem do seu agrado
Deixe-me no pecado
Por que o bem que me fazes
Dói muito mais que o mal.
 
 
Renildo Borges

 

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Desencanto
 
 
Ainda estou por aí
os amigos e as mulheres que amei
companheiros de vidas e de sonhos
estão velhos ou mortos como eu...
O vento traz notícias sobre a morte
de longe e de perto
Caíram muitos à minha direita
e a minha esquerda
bem perto do coração
os amigos que eu tinha
se calaram
Não imploram mais pela vida
por perdão
Apenas seus nomes e rostos
escritos em minha memória
e no meu coração permanece
 
Coloco a hipocrisia ,o ódio e a indiferença
no lombo do vazio e despacho de volta
para quem se sente bem...
sendo mal...
Não devia haver prazer na maldade
que brotam do inferno ou caem do céu
da boca maldita que vocifera
o que o coração sente
e descaradamente mente
 
Olho para o sol que insiste em brilhar
pelas manhãs cinzentas e constato
o quanto sou insignificante
o quanto minha oração é vazia
e a minha vontade morta
de bater outra vez em sua porta
me divide...
 
Não importa mais os mortos
os vivos é que vivem em mim,
assustados e acuados
com o salário do pecado
no banco dos réus
(por que já nascemos no pecado)
para cobrir a dívida
contraída pelo simples ato de existir.
 
 
Renildo Borges
Água e Sede
 
Eu queria apenas soltar as rédeas
andar sem rumo
sem prumo
sem equilíbrio
ser torto
um roto
que não necessita de horas
ou dias
sem desconfiança
ou herança
dessa minha vidinha emoldurada
num quadro que não vale nada
pintado por não sei quem ou quando
sem que eu posasse
vendida na bolsa
na feira
nos cabarés
as ações programadas
pelos sábios falidos
por que o amor
as crianças roubaram
com seus sorrisos puros
e a inocência no olhar
 
Eu queria mesmo é não saber de nada
conversar por atos
e não por palavras
que todas as bocas cantassem
como os passarinhos
e que as línguas
sentissem apenas o sabor do amor
Eu queria apenas poder ser feliz...
pois o corpo é meu e a dor também
Na escuridão de quem é o medo?
O segredo!
Não me diga o que há no caminho
saber de tudo não me deixaria dormir
e tomaria de mim o espanto
Deixe-me num canto
deixe que eu aprenda
a me descobrir
do manto inútil da hipocrisia.
 
 
Renildo Borges