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sábado, 29 de abril de 2017

Dentro de mim cabem tantas coisas.


Dentro de mim cabem tantas coisas
Os paturís descendo na lagoa com medo
que a fome do homem cortasse o ar
com seu chumbo cinzento anunciando a morte
Eu menino, os admirava,escondido entre o arrozal
e procurava em mim o medo que assombrava
os pássaros,os peixes...
o vento traz um cheiro de fruta madura
uma batata doce assa sobre as brasas
um homem roubando a vida do peixe
uma capivara lamenta o descuido
a faca do homem derramando a vida


Dentro de mim cabem tantas coisas
Vó Ana contando causos lá pela boquinha da noite
Seus netos esparramados pelo chão à sua volta
Cada um imagina a mula sem cabeça da cor que seu medo pinta
Lá fora na escuridão da casa de fazenda
o vento murmura entre as árvores qualquer coisa
que nos faz arrepiar os pelos do braço e da nuca
os mais novos já perderam a batalha para o sono
pequenos corpos estendidos sobre as velhas
esteiras de taboa
Vó Ana boceja o cansaço de um longo dia
e me fita com aqueles olhos me dizendo vá dormir menino
mas a mula sem cabeça ainda não correu as sete freguesias
pra desfazer o encanto e eu permaneço firme

Dentro de mim cabem tantas coisas
Uma moça que vinha de longe se aproxima
Tem os olhos negros como seus cabelos
Alguma coisa dentro de mim se modifica
não sei o que é mas gosto do que sinto
caminhamos pela noite sem planos e sem destino
um dia compramos algumas panelas
alugamos uma casa e fomos morar juntos
ela ressona levemente ao meu lado
não é mais a moça de vinte e tantos anos atrás
mas a lembrança viva em mim permanece
Você me fez a pessoa mais feliz do mundo
Disse ela um dia recostada no meu peito
Eu e ela de mãos dadas vamos ver nossa primeira neta.
Dentro de nós cabem tantas coisas...

Renildo Borges

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