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quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Os mortos não riem jamais


Riram do tênis que minha mãe me deu
Da minha calça sem marca
Da minha camisa sem estampa
Do meu pulso vazio
Até tudo ficar sem graça
E abaixar a fumaça
Dos seus vícios que eu não tinha
Por que a mãe era minha
Sentada cansada ao meu lado
Olheiras,calos nas mãos
Eu lá dentro do seu coração


Riram dos recados dados
Por minha mãe para entrar
No meu celular barato
E me chamaram de fraco
E caíram no assalto
Que eu não quis participar
Por que minha mãe me disse
que o mais caro que existe
é ter a sabedoria de obedecer pai e mãe

Riram do Deus que eu tinha
Da favela de onde eu vinha
Dos meus livros emprestados
Por quem tem bom coração
e não viram a escravidão
com seus olhos doutrinados
pra ser apenas escravos
dos anúncios da tv

Minha mãe ainda me olha por cima
das lentes dos óculos
para não ter nenhuma interferência
de tua verdade tão limpa
-Cale a boca e me obedeça!
Quando de quando em quando
Volto ao meu velho lar e vejo
Lá fora nas esquinas do ontem
os velhos fantasmas dos meninos
picham os muros com uma frase triste
(os mortos não riem jamais)

Renildo Borges

Quando chega a escuridão


Quando eles se vão
Deixam um vazio
Um abismo
Uma imagem dentro da lembrança
que dança e dança...


Quando eles se vão
levam sem querer
a alegria e deixam só
a tristeza de perder
sobre a mesa
que castiga e castiga...

quando eles se vão
deixam um rastro de saudades
pelas noites de lua clara
num céu que nós inventamos
que embala e embala...

quando eles se vão
levam seus abraços
a mão que levanta
pro primeiro passo
nos afastando dos embaraços

quando eles se vão
vem a escuridão
o medo da contramão
e a vontade de ir também
mais além...

Renildo Borges

Depois das curvas da moça ou de um filme de Freud e Jung


Quando desço do céu das coisas que não vi
mas acredito
e guardo com cuidado
dobrado sobre a cabeceira das religiões
o pudor
a vergonha
e tantas outras coisas medonhas


e caminho pelo inferno que me leva ao êxtase
nas curvas da moça que me escolheu
pra ser todo seu
sou completo
meus lábios sorve o doce do beijo que
quero dar
minhas mãos caminham por onde eu sinto
prazer em tocar

sobre a pele
o perfume caro
o perfume barato
tem o mesmo valor
quando eu sentir por aí
em um tempo outro
lembrarei
do teu gosto
desse momento
desses instantes

mas lá fora onde prenderam o desejo
e grita um fantasma itinerante
tudo iniciativa do ato
nefasto
diz o reprimido escondido
na esquina perdida da libido
eu não sou Judas
eu quero ver apenas depois da curva
por favor
não feche sua blusa
nem sua mente que mente
espalhando por aí sementes.

Renildo Borges

Eu choro de cara limpa


Limparam a minha cara suja da verdade
De quando criança
De quando eu tinha
Nas asas do vento
A felicidade
E me maquiaram
Com a cor da mentira
Que vestem os adultos


Chorei dia e noite
As lágrimas da dor
Que por fim limpou
Toda imundície
Que a boca falou
Que os olhos viram
E as mãos praticaram
Na cega ilusão…
E eu choro de cara limpa.


Renildo Borges

Quando anoitece lá fora



A tua mão estendida com nojo
Alimenta meu corpo
e mata minha alma

não me tome por estúpido
por eu estar nestas condições
ainda consigo ler tua alma

de amores com a mentira
aplausos comprados
dos que se venderam

já fui como tu,cheio de ilusões…
a minha alma é a mesma
com algumas correções
da fria verdade

desnudando a realidade
inventada pelos homens
covardes
traiçoeiros
vendedores do imperfeito

Não será anotado
este teu gesto esnobe
Só por que você pode
Mostrar para (imundo) mundo
Tuas posses, teus cobres
No livro dos bons

Escrito com justiça
Por quem não é submetido
A essa falsa glória que a morte carrega
Um dia qualquer.

Renildo Borges

Muito além do agora


Quando o dia amanhecia
esperança já de pé
chamava sempre risonha
pra caminhar pela vida
Eu,a coragem e a fé
Ah ! como o dia era bonito
na sede,beber sorrisos…
na fome,comer abraços…
pequenos traços nos rostos
nos olhos o mais puro gosto
de quem amava viver


Quando o dia anoitecia
tinha encontrado alegria
conversado com o amor
abraçado quem sorria
chorado com quem chorava
lágrimas de sinceridade
cumprido promessas feitas
à minha alma satisfeita
de ver lá fora a vida

Agora é só madrugadas
a esperança já cansada
encontra homens já mortos
vivo apenas os corpos
(Marionetes patéticas)
sem carinho
sem afeto
nem mesmo um pequeno gesto
de que há ainda amor
com ódio espalham dor
Por ganância
Por dinheiro
Por mentiras inventadas
Pelas drogas fabricadas
Por quem nunca teve amor.

Renildo Borges

Francisco José de todos os Santos


Francisco José de todos os Santos
De todos os cantos da velha Bahia
Descendo a ladeira em dia de feira
Montado no velho e fiel alazão
Trazendo nas mãos,os calos e as rédeas
As lutas,refregas dos dias de cão
Mas tem esperanças conhece as danças
Não leva uma “tauba” dessa vida não


Francisco José de todos os Santos
De todos os cantos da velha Bahia
Conhece a verdade, pagou o seu preço
Sem rezas, sem terços, sem falsa alegria
Dançou a ciranda nas brasas do tempo
Em nenhum momento sentou pra chorar
Vontade ele tinha mas não tinha tempo
Com cinco rebentos pra ele cuidar

Francisco José de todos os Santos
De todos os cantos da velha Bahia
Ninguém lhe ensinou mas tudo sabia
O quanto valia a hora e o dia
que o tempo vendia
que o tempo cobrava
que o tempo as vezes até esquecia
o peso dos anos
a fragilidade
os sonhos desfeitos
as duras verdades
e a vontade de ir
por que já é tarde.

Ao meu pai Francisco José dos Santos com seus 95 anos de idade.

Renildo Borges