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sexta-feira, 27 de julho de 2018

O canto da maritaca.


Quem matou o lavrador?
De fome...
Foi seu dotô
Aquele que tinha mais terra
Aquele que era sinhô
Primeiro desviou o rio
Fez um açude bonito
Pra seus filhos se banhar
Os sitiantes de baixo
Que não tinha espingarda
Nenhuma a mão alugada
Vendeu pra dotô por nada


Mas se venderam por nada
Não era melhor ter pegado a estrada
Ir pra outras redondezas
pra botar o pão na mesa?
Quase todos foram embora
só não foi o Zé da Hora
cabra de opinião
rezinguento feito o cão
poucas palavras na boca
mais de dez pedras na mão
e o ódio no coração

Mas seu moço se avexe
que pouca é minha demora
conte logo toda história
para mim ir logo embora
comprar fumo de Arapiraca
e uma garrafa de Pitú
antes que cante a lambú
no roçado que me espera
Pois bem! Fumo e cachaça
tem alí nesse girau
não me faça carnaval
deixe eu contar minha história
do jeito que sei contar

Seu moço o fazendeiro
quando soube que Zé da Hora
não tinha também ido embora
ficou muito caipora
chamou no terreiro os capangas
e exigiu a cabeça de da Hora
os homens mesmo com armas
se amofinaram e disseram
mas patrão aquele cabra
não é um sujeito qualquer
né melhor um pistoleiro
lá das bandas de Sergipe?

E morreram um a um
sem haver muita demora
nas armadilhas noturnas
que fazia Zé da Hora
(Mas seu moço é assim
sem o tin tin por tin
de como morreram os cabras
aquela gente ruim)
Que cabra mais abestado
me pede é sem demora
agora fica de arenga
sem pressa de ir embora
acho que isso é preguiça
de ir pro roçado agora

Por último foi o patrão
bem na ponta da peixeira
não sei se Segunda feira
por que Domingo era santo
ali na casagrande no canto
onde tem negro rosário
que não protege os covardes

Mas seu moço,se Zé da Hora
matou todos da casagrande!
Quem foi que morreu de fome?
Foi os cabras sem coragem
que com o rabo entre as pernas
se perderam no sertão
Num sol de 40 graus
Sem ter água na cabaça
sem nada no embornal
nem sequer uma rapadura
e nem carne de fumeiro
não levou o mês inteiro
para cair um por um
quem contou foi maritaca
bicho que fala feito gente
na venda de seu Clemente
onde se reúne,caçadores
pescadores e outros mentirosos.
Inté!


Renildo Borges

No reino fantástico da besta fubana


Quando eu era pé de cana
Culpei a besta fubana
Em cada esquina um botequim
Onde sempre me plugava
a cachaça,vodka ou gim
Em mim rolava uns downloads
Coisa de mente esquisita
Pensava na minha vizinha
Que era boa pra chuchu
Até gostava de uns dedos de prosa
Com aquele cheiro de rosas
Mas a coragem cadê?


Quando troquei o botequim pela igreja
Glória a Deus! Louvado seja...
Andei um tanto em conflito
Com um cabra chamado vício
Tinha problema de vista
E a vizinha bonita
De repente ficou feia
Já não era mais sereia
Achei aquilo esquisito
Perguntei ao lazarento
Que me causava tormento

Na esquina do pecado
O dito cujo
Me ofereceu maconha
Não gostei achei estranha
“Óleo de soja ou banha
Pra dedetizar a aranha”
Que diabos eu com isso?
Mas será o Benedito!
Uma mulher cheio de manha
Se contorcendo lá longe
Me apareceu um monge
Do Tibete ou Cochinchina
No Raso da Catarina
Exorcizando meu carma

Quando não queria isso
nem aquilo
Fui hippie cheio de grilo
Encontrei besta fubana
Nem me lembro qual semana
Por que eu nunca fui lá
No tremendo bafafá
Que fez a morte e a vida
Numa Sexta-feira santa
E me chamaram de anta
Só por que o almoço e a janta
Foi um porco chauvinista.


Renildo Borges

Muito além do jardim.


Tinha três laços de fitas
Aquela moça bonita
Tinha belos olhos claros
A noite caindo o orvalho
Tinha uma cruz no pescoço
Mas só pensava no moço
Pelo mar da ilusão
Ele segurando sua mão
Enquanto a noite chegava
E um jardim de estrelas
A ela ainda avisava
"Ó estrela da manhã..."
Depois a mão entre as coxas...
E se perdia a moça
Pensando nas madrugadas


Nas poesias que lia
Pelas madrugadas frias
Roubou sonhos e amores
Brigou por causa das dores
Da traição do seu homem
Que amava, que queria
Na chuva fina de Maio
Numa rua em Lisboa
Cabelos ,unhas e mordidas
Pois não era moça à toa
No pescoço ainda a cruz
E o vento sussurrando:
Sai das trevas,vem pra luz!

Quando a lua ia alta
Seu corpo só sobre a cama
E nele aquela vontade
mais forte que o seu não
Fechou os olhos e sonhou
com teu amor roubado
"lá fora tocavam um fado
falando de amores outros"
A cruz ainda no pescoço
teu corpo entregue ao moço
o doce sabor do pecado
No silêncio dobram os sinos
acordou apavorada
com a umidade entre as coxas
no convento das Carmelitas
sem os três laços de fitas
aquela moça bonita.


Renildo Borges

O vestígio do dia


O dia me pede desculpas
Como se fosse o culpado
Das pedras, distâncias e espinhos
Clareia o meu escuro caminho
E as horas que comigo caminha
Anota tudo em minha lembrança


Eu, um livro escrito por muitas mãos
Negras,brancas e eu mulato
E a maldição de não poder ser feliz
Apenas por eu sozinho
"dependo do seu sorriso"
Por um estreito caminho
onde aprendi a amar
Os rostos feios e os belos
Os quase que sempre inventam
Abrindo a porta do inferno
Da dúvida que há em mim
O desigual e o paralelo
O que é calmo, o aflito
A paz que apaga o conflito
O distante e o achegado
Às claras e o reservado
Os limpos e os com pecados

Mas não sei escrever pelo chão
Enquanto a pergunta afasta
Os que fazem as madrugadas
Pactos com a escuridão
Mas você me atira a primeira pedra
E atinge meu peito aberto
Sem segredos,sem reservas
Nenhum voto de minerva
Com tua roupa tão limpa
Cobrindo tua escura alma

O sangue negro... amarelo
Branco...vermelho carmim
Começa a apagar em mim
O que escreveram as horas
Todas palavras guardadas
Sem seleção ou critério
Eu na porta do inferno
Sem poder provar que sou
Só o vestígio do dia


Renildo Borges

O norte da bússola dos homens.


Não estou desnorteado
A luz vem do oriente
Limpa é a tua claridade
E não há mancha indecente


Não estou desnorteado
Não matei os filhos meus
Não sou um desnaturado
Fingindo o que não sou eu

Não estou desnorteado
Suas mentiras se tornaram canções
Em mentes cauterizadas
Que comem ventos e ilusões

Não estou desnorteado
Um livro em mim fala só
Sobre a natureza das coisas
Sobre o início e o pó

Não estou desnorteado
Ai dos que fazem
do escuro claro
E do errado
o certo
Não sabem o poder das palavras

A noite seguirei estrelas
Quem sabe me levará ao Rei
Que me dirá a verdade
Sobre coisas que não sei
Não estou desnorteado...


Renildo Borges

Quatá - São Paulo 1968


Quando eu era menino
todos os medos que eu tinha
meu pai levava nos bolsos
e se algum deles fosse esquecido
por um descuido do meu cuidadoso pai
mamãe estava sempre por perto
e também meu cão de guarda
Duque era um cãozinho sem rabo
branquinho com três manchas pretas
Ai ,que dó!
Algum estabanado havia lhe cortado
não sei bem quem foi
mas era valente como ele só
Um dia defendendo o galinheiro
de um ouriço que gostava de comer ovos
ficou todo estropiado
Mamãe tirando-lhe os espinhos
espalhado pela cara dizia:
-Não precisava brigar! Era só latir que eu
dava umas boas vassouradas naquele ladrão de ovos!


Quando eu era menino
as onze horas mamãe me entregava
uma marmita muito bem embalada num
pano de prato com uns desenhos bonitos
que mamãe bordava
mas sempre escapava aquele cheiro
que me dava água na boca
mandava também uma garrafa de café
mas não era uma garrafa como as de agora
cheio disso ou daquilo,era uma garrafa de vidro
comum,com uma rolha de cortiça
pra não derramar
mandava também uma broa
ou um pedaço de bolo de milho
para a merenda das três horas
e lá ia eu pelos caminhos da roça
levando o almoço do meu pai

As vezes me demorava prestando
atenção numa borboleta bonita
num pássaro à cantar
em Duque,que as vezes
corria atrás de algum bicho
e se embrenhava pelo mato adentro
nos peixinhos do riacho
que corria bravamente
por entre as pedras e troncos
sempre em direção ao mar

Quando chegava finalmente ao meu destino
lá estava meu pai com seu chapéu de palha na cabeça
quebrando um pouco o sol a pino do meio dia
na sua labuta diária
em seu rosto queimado ,quase preto
seus olhos cansados me divisou
e seu sorriso se abriu
entreguei a ele o seu pão de cada dia
que alguém acima de nós nos permitia
e como era bonito o meu pai.


Renildo Borges

quarta-feira, 4 de julho de 2018

Quando explode a paciência.


Me apontou o dedo e julgou
Como se nunca tivesse errado
Suas palavras rasgaram como aço
As comportas do meu olhar espantado
As lágrimas correram como um rio
Por entre os sulcos aberto pelas intempéries dos anos
Estampado em meu rosto
Por não saber por onde você andou
Em tantas frias madrugadas



Revirei em algum canto da minha memória
E achei entre os conselhos esquecidos
“Setenta vezes sete perdoarás”
Mas você não conhecia o perdão
Se vestiu de vingança
E me apontou a porta da rua
Mesmo eu tendo te perdoado tantas vezes


Olhei mais uma vez para trás
E vi meu carinho
Meu capricho
Por entre as coisas bem arrumadas
Apenas esperando que um dia você me amasse
As pequenas rosas nos vasos nas janelas
Ainda me olharam como se pedissem desculpas


E obedecendo mais uma vez a minha doce mãe
Por que sou obediente
me ergui com porte e elegância
e calmamente contemplei feliz
os teus olhos cheio de ódio
Por eu ter espancado aquela cadela
que nunca lavou sua roupa
nunca fez o teu almoço ou jantar
muito menos pariu algum filho teu


Por fim eu havia despertado algo em você
depois de tantos anos
e não foi o meu corpo surrado
do batente
da labuta
mas de uma sensualidade sem tamanho
que eu como cega sempre entreguei a você
Recolhi acanhada um pequeno sorriso
que insistia em florir em meus lábios tímidos
e fui lá fora procurar um amor
por que os pássaros já cantavam.


Renildo Borges

Praculá,onde bate o sol.


Fazer amor é pra quem vomita pérolas
Aqui nois fala é transar
Por que tem a cor do sol
Por que tem cheiro de mar

Dizer eu te amo é pra quem confia em palavras
aqui nois nem precisa falar
sentimos o gosto um do outro
na saliva
no beijar
e assim nois temperamo
pra mais gostoso ficar

flertar é muito bonito pra quem vem de Araribá
nois aqui chama na xinxa
se a caboca deixar
mas sempre escondidinho
pra não dar o que falar

nois num é nada grosseiro
pergunte as moças que vem passear
pelas praias nordestinas
se elas querem voltar
Nois num sabe muito de letra
Mas de moça
Ah,...Vamos praculá?


Renildo Borges

O arremedo e o medo.


Se meu coração fosse aberto
e todos pudessem ver
o que há dentro dele
se aproximariam com medo
e por certo chorariam
Chorariam como eu chorei
quando vi o pequeno menino
como um sorriso na cara suja
sem medo do amanhã
por ele não saber o que é


Quando olharem para o fraco
sendo espancado pelo enorme egoísmo
Quando verem a fome ceifar vidas
em Áfricas Sul Americanas
Quando verem os sem estudo
sendo explorado pelo que fala “correto”
Quando verem os sem casa
nas ruas que nós passamos
Ignorando...
Quando verem os sem pai
pois mãe todo mundo teve
em um momento qualquer da vida
mas e os sem irmãos?
jogados no mundo como bastardos
pois nós decidimos que Deus não é o pai deles
por isso vivem por aí sem amor...
Afinal “Deus é amor” e nós um arremedo disso



E então serão como eu
e vagarão como minhas indagações
sobre esse mundo imundo


Se pudessem ver a dor invisível
que me espanca como se eu fosse o culpado
por ser a esperança um ser abstrato tratante
que nunca aparece para provar que existe
Então só nos resta as hipóteses
Será?
Talvez!
Quem sabe!
E então se tonarão estéril como eu
sem lágrimas
sem perspectivas
ou vida
Pois nem a morte me acha interessante agora.


Renildo Borges

Descaso


Empurrei com ódio a lerdeza das horas
Que me separavam de ti
Xinguei a espera angustiante
Que ria de mim nas madrugadas
E sem pedir licença quebrei
O silêncio da escuridão
Gritando seu nome


O vento que dormia junto a brisa
Levantou-se enfurecido
Jogou a poeira do coração seco dela
Na minha cara tristonha
para secar as lágrimas que caíam
e se foi sacudindo as árvores
desalojando dos seus ninhos os pássaros
pela noite adentro

E quando amanheceu
A luz trancou dentro de mim a ilusão
Procurei no armário de suas promessas
A roupa adequada
e me vesti das mentiras que disseste
para cobrir a minha desnuda paixão
e fui por aí distribuindo tristezas.


Renildo Borges

Quando o canalha que há em mim fica de folga.


Queria lembrar teu nome
Mas a sujeira do sistema
E os meus negros pecados
encobriu-o por completo
Mas me lembro do seu rosto
naquela manhã cinzenta
o homem com a arma na mão
você pálida e sem ação
eu sem nada pra perder
resolvi foi me meter
uma paulada no covarde
sangue escorrendo da venta
nós escapando ligeiro
pela 2 de Fevereiro
Isso eu nunca esqueci


Não sei como percebeu
O medo nos olhos meus
Naquela cidade estranha
Sem saber para onde ir
Sem dinheiro
Sem trabalho
Num estranho itinerário
A passagem... morte e vida
O calendário contando
O tempo que me faltava
Pra fome mudar meu destino


Você tinha duas filhas
Todas belas e no cio
Eu um sujeito vadio
Morando de favor seu
Brigaram por minha causa
E me mandaram escolher
Eu escolhi te honrar
Matei as minhas vontades
em madrugadas febril
Seu rosto em meu pensamento
Vincado de tanta labuta
olhos fundos
e o sofrimento...
Viúva aos quarenta e poucos anos


Eu o filho que não tinhas
Para protege-la e as tuas filhas
De lobos pelo terreiro
Farejando o tempo inteiro
Cheiro de prazer e dor
Sexo e mais um pra sofrer
Difícil cargo me destes
No meu coração agreste
Eu também lobo silvestre
Num mundo de ladainhas
Lá fora todas as vizinhas
A quem não devias nada
Mariposas sussurrando
Pecados na escuridão
E estavam limpas as minhas mãos.


À Dona Glorinha-Barra Funda-Sampa/Dona Morena-Federação- Salvador/Dona Carolina-Praia de Atalaia-Aracajú.


Renildo Borges

Carpe diem

Aproveite o dia
Amanhã...
nem sei se estou
Só lembranças...
Pulando de mente
em mente
E eu ausente...
A vida é como o vento
Ventania...
Passa agora e quando volta
Calmaria...
Quero viver o que sou
Aprendiz ...
Perceber todas as nuances
Sutilezas...
Quero conversar com a vida
Ter beleza...
Um papo que leva horas
Pra ir embora
Para sempre eu sempre quis
Ser feliz...
Por não ser o dono do tempo
Ou momento...
O que é bom deixa saudades
Gosto de eternidade
Se eu errar
O beijo
A boca
A moça...
Beijo não mata ninguém
Pior é arrependimento
Do que já foi e está além
Amém!



Renildo Borges

Enterrei meu coração dentro do seu mais uma vez


É tão fácil dizer eu te amo
difícil é viver esse amor
-Esse bife tá salgado!
da forma que você falou
se levantou irritado
nunca mais trouxe uma flor


Contava os dias da semana
e no dia
as horas
pra te ver
quando te via
sorria
que gostoso
o que eu sentia
e quis para sempre você

Mas você já não me quer
mesmo vendo o meu esforço
para manter o meu corpo
para ser a sua mulher
nunca mais olhou minhas curvas
nem censurou minha blusa
nem uma palavra sequer

Ainda quero ser tua
e converso com a lua...
com os fantasmas que passam
"Será que ele tem outra?"
pelas noites...
pelos dias...
eu não quero ser Maria
a que sempre vai com as outras
eu quero beijar sua boca
com você dentro de mim

É tão fácil dizer eu te amo
difícil é ter que ir embora
e ficar contando as horas
de quando vem me buscar
e foi num dia tão feio
que tudo ficou bonito
"Ah meu Deus! Quase que grito"
seus lindos olhos no chão
por vergonha ou sedução
e como tremia sua mão
quando me pediu perdão
e eu enterrei meu coração
dentro do seu mais uma vez.


Renildo Borges