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quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Rosa dos ventos


Você me quer?
Parece-me que esse teu olhar,
sempre me diz sim
Se quer,não me traga
rosas incompletas
sem os seus espinhos
retiradas cuidadosamente
para desviar nossa
atenção do cuidado
ao se tocar numa rosa
em seu jardim de sonhos


Você me quer?
Se quer lembre-se
que já fui usada
que abri a porta,
que entraram em mim
que levou com ele
todos os meus segredos
meu jeito
meu medo
que quebrou
os meus laços
minha aliança
toda confiança
que havia em mim

você me quer?
Se quer,vá pelo caminho
Que eu caminhei
Chame os passarinhos
Para te alegrar...
Você vai precisar
Ao ver minha dor
A falta de amor
E todo o horror
Que me impuseram
Só por que eu queria
Ser de um homem só
E um filho no colo
Para ele me ninar

Você me quer?
Se quer,ache
os meu pedaços
Pelas madrugadas
Sozinha e cansada
De tantas mentiras
E aquelas manchas
roxas de vergonha
de tanta covardia
se tiver coragem
para se arriscar
Clareie-as para mim

Você me quer?
Se quer,cole teu ouvido
no meu coração
E os restos de mim
traga em tuas mãos
Se tiver coragem
Junte devagar
Quem sabe tu mudas
Esse meu olhar
Mas vou te avisar
Verá cicatrizes
No fundo da minha alma
Quero apenas calma
Ainda me quer?
Sou Rosa dos ventos
Não de ventania
esperando apenas
o momento
Fique atento!


Renildo Borges

Todos as falanges do dedo que aponta


Me chamaram para brigar
Eu briguei
Por que a raiva era tanta
Uma maldita herança
A mesma negra no rio
Lavando para sinhô
Trabaiando e passando fome
Os muitos trabaiadô
botando di comer no cocho
dos porcos brancos de raça
que disputava a negra
que ia ser estuprada
E apanhei


Me chamaram para a guerra
Eu fui
Matei homens como eu
Filhos da mesma miséria
Alimentado por ódios
Pátria minha e outras asneiras
Mas o ditador homem branco
Que come a carne do fraco
Sentado em sua mesa farta
Não estava em minha mira
E morri

Me chamaram para amar
E amei
Era uma moça bonita
Em seu vestido de seda
verde,amarelo e azul
A família toda acesa
Berrando vou deserdar
Se você continuar
Com esse teu pé rapado
Ele é apenas um soldado
Teu pai é um general
Me dei mal

Me mandaram fazer promessa
E eu fiz
Promessa pra Sâo longuinho
Para abrir os meus caminhos
Um despacho com ebó
Me aconselhou a velha Filó
E andei em procissão
Um pastor me deu carão
Imagem é idolatria
E confirmou minha tia
Da assembleia do dízimo
Perita em cientologia
Creio em Deus pai
Ave Maria!
E nada

Me chamaram para ler
E eu li
Li tudo que veio a mão
histórias,charges,sermão
revistas,imprensa marrom
Os contos dos irmãos grimm
a Bíblia “Abel e Caim”
gibi,romance,catecismo
e também todos os imos
da hipocrisia humana
estendida no varal
da vida feito cordel
Mas nunca fui coronel
nessa longa vida ao léu.


Renildo Borges

Negro Dito de tal


Eu não sou
Nunca fui
Nunca serei
Não sei interpretar
Amanhãs
O papel queimou-se com vícios
Nos becos do Vidigal
Foi mal !
Em mim há muitos conflitos
Negro Dito de tal
É fulano
E o patrão soberano
Matando tudo que ele tinha
Igualdade ,amor e fraternidade
Guilhotinando a bondade 


Nunca lhe direi nada
Nesse palco de emboscada
Minha boca costurada
Por medo e não a covardia
Que tortura às madrugadas
Desfilando em Setembros negros
Seu ódio
Por que somos muitos
Porém desunidos

Eu não sou
Nunca fui
Nunca serei
A próxima carta marcada
Em cansadas madrugadas
Me escondo atrás de livros
E na rua de improviso
Aviso aos que foram condenados
Que a burguesia não morreu

Se sou palhaço? É claro!
Desde que me entendo por gente
Ou será que é por escravo
O que importa 13 de Maio
Um tapete estendido
Para quem rouba no peso
Na balança viciada
De uma injusta justiça
Num circo chamado Brasil

Não diga que nunca viu
E que também nunca riu
Do meu cansaço
Da dor
Da peleja no mormaço
Para ter comida no prato
Que come o filho meu
Do meu dia atravessado
Por teus olhares de eu sou
Sim ! Tu és
assim como eu
um passageiro do tempo
aguardando a qualquer momento
a morte para nos levar
talvez eu vá para um lugar
você eu não sei dizer
só dirão: Quem é você?


Renildo Borges.

Lá, onde passou o vento


De onde vem vento?
Passaste pelas caatingas nordestinas
Onde a beleza das moças não combina
Com a plantação murcha
O gado magro
As cacimbas secas
E as beatas orando
Pra São Luís Gonzaga
Com muita esperança
Sem nenhuma mágoa

Viu por lá minha Tereza
Cabocla bonita
Da cintura fina
E com o sorriso largo
Deu-lhe um afago?

Aqui nessa cidade de pedra
Vou construindo ilusão
Nessas manhãs tão frias
E quente o meu coração
Aprendi a fazer casas
Vazias como algumas mesas
Nas favelas
Nas baixadas
Pelos trens de madrugada
só queria a minha amada
Lá,onde passou o vento

De onde vem vento?
Passaste pelo sertão
Onde a cabocla brejeira
Mesmo que segunda feira
Depois de carpir roçado
Ainda é bela e tem cheiro
Da chuva no chão em Janeiro
Também andou nas cozinhas
E destampou as panelas
Sentindo o cheiro de doces
Do bolo de milho na panela
De ferro coberta por frande
E a s brasas espalhadas por cima
Lá fora o leite coalhando
Tuíca, a porquinha olhando
Com aqueles olhos espichados
Pensando no soro da coalhada no cocho

De onde vem vento?
Passaste lá nas aldeias
E viu Jurema dançar
No cerrado a borboleta
Pouco tempo pra voar
Os ribeirinhos em canoas
Saindo para pescar
Os quilombolas,
os quilombos
O tombo
Nos pampas gaúcho
Os escombros
De tudo que foi liberdade
Ainda somos escravos???


Renildo Borges

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Quando o amor fala mais alto


Eu amo pessoas e não o que elas são
Nem o que elas fazem
Pessoas não são livros que lemos
e dizemos Se é bom ou ruim
todo mundo tem segredos
todo mundo tem vergonha
de um palavra dita
de um beijo que não devia
de transar quando não podia
de querer voltar atrás
passar uma borracha naquilo
um amigo que ligou
por que algo nele estava doendo
mas você não deu a mínima
e foi logo desligando
uma mancha na consciência
que bate de madrugada
à porta da sua lembrança
e fica a noite toda
perguntando se sabemos o que é amor



Eu amo pessoas e não o que elas são
Nem o que elas fazem
Pessoas não são filmes
Que lemos a sinopse e aí decidimos
Se queremos ver ou não
Pessoas a gente encontra
Senta e conversa um minuto ou uma hora
mas logo vem compromisso e nos leva sem demora
e por dentro aquela vontade de nunca mais ir embora
não por que é uma moça ou moço bonito
aquela barba por fazer
o jeito descontraído tão bonito
esbelto , escultural
que a libido se assanha
e fica cheio de manha,
tramando , armando , querendo...
Mas porque aquilo foi bom,
aquela conversa, aquele sorriso,
a gentileza dentro daquela blusa e de fora o umbigo
e os cabelos soltos aos ventos dançando de improviso
aquela coisa estranha invadindo a gente
acelerando o coração e os olhos perdidos nela
e como pesa dizer adeus nessas cidades imensas
o risco de nunca mais ver
vontade doida de perguntar o email
o fone ou celular
pra não perder o contato
não sabemos se é casada
se tem compromisso ou se gosta de outra menina
ou de outro menino
nesse momento não há julgamento
não há preconceito
tudo junto ou misturado
o amor é desse jeito
por que o amor não desconfia de nada
é ridículo,cafona,como aqueles letreiros
imensos nas cidades poluídas
se sobressaindo com aquele vermelho gritante
dentre a fumaça da fraqueza humana
e avisa que estamos apaixonados
só isso.


Renildo Borges

O perigo das palavras


Se eu pudesse mudar o mundo apenas com palavras
Diria “tempo bom” e lá se ia a chuva e brilharia o sol
Então eu sairia para minha inutilidade costumeira
passear com meu cachorro,jogar dama numa mesa da praça
andar traquilamente com meu celular ligado,trombando gente,
poste e outras coisas que tivessem pela frente
e quando batesse aquela fome
veria que todas as árvores os seus frutos
e suas flores haviam morrido de sede


Se eu pudesse mudar o mundo só com palavras
Diria ao meu inimigo “morra” e lá estava ele estirado
No chão da minha desumanidade e mais tarde
Quando me batesse o arrependimento
Eu só teria o vento da tristeza a beijar-me o rosto
secando assim as minhas lágrimas

Se eu pudesse mudar o mundo só com palavras
Diria “comida” e lá estava comida para todo mundo
Ninguém levantando as 4 da manhã,não haveria trens ,
metros ou ônibus lotados,nem engarrafamentos
E todos morreriam com suas veias entupidas de gordura
Por falta de exercícios e os consultórios psiquiátricos
E psicológicos ficariam lotados de pessoas inúteis
Que não saberiam dizer para que elas servem

Se eu pudesse mudar o mundo só com palavras
Diria “vida sempre” e viveríamos para sempre
Até que nos amontoassem uns sobre os outros
Por falta de espaço nesse mundo tão pequeno
Conectado pela world wide web e lá íamos nós
Ver se em marte também se planta mandioca

Se eu pudesse mudar o mundo só com palavras
Diria “me ame” e roboticamente ela me amaria
Toda noite,todo dia... até que aquilo nos enchesse o saco
E então mudaríamos a programação para "stand by"
e se perdêssemos a paciência durante esse tempo
programaríamos para “me odeie”
Mas acho que a palavra ainda pode apertar o play
da sensibilidade humana,por isso escrevo poesias
emotivas,raivosas,amorosas,religiosas
e até algumas onde eu posso matar o burguês
Quem sabe alguém me ame por que sou poeta
e posso tudo através das palavras
ou talvez me odeie,afinal a palavra sempre
foi uma coisa muito perigosa
pois quando "o verbo se fez carne"
e habitou entre nós,nós o matamos.


Renildo Borges

Na feira do bicho homem


Não me pretendo
Por que tudo que espero
É mero
Morre como morre o dia
E outras tantas fantasias
Que cria o homem iludido
Com pecado e sem castigo
Cria seu próprio perigo
Negociando o ódio e a fome
“Um homem com fome mata
Um homem com ódio é bicho”


Antes do meu riso barato
Sem motivo e sem razão
Fui lá fora ver se podia
O mendigo da esquina disse não
Os meninos dormindo num papelão
Uma moça abortando a ilusão
De comprar do traficante
A falsa solução
Um outro estendeu-me a mão
Dei minha alma vazia de alegria
Mas cheia de enorme frustração

Ele tirou os pecados
e minha covardia absoluta
De não comprar nenhum quilo
daquela fome
Na feira do bicho homem
Tirou as tantas vazias desculpas
e a desumanidade para não dar azia
Tentou assá-la no fogo do inferno
Criado pela ganância humana
E riu o pobre diabo
De mim maldito coitado
Olhando aquele homem vazio
Com um rosário na mão e sem meta
Com minha alma não pôde fazer uma festa
Naquela manhã tão funesta.


Renildo Borges

Se me chamar de cachorro...Eu mordo sua boca.


Aquela moça do Sul
Gaúcha
Barriga verde
Curitibana
Bacana
Podia matar minha sede
Em Umuarama uma cama
Churrasco em Santa Maria
Podia ser qualquer dia
Só pra beber teu olhar
Tão profundo como o mar
Por favor diga: Vem cá!


Aquela moça paulista
Que sempre quis ser artista
No coração do poeta
Já pode fazer a festa
Vim aqui só pra te ver
Sentir teu cheiro,tua pele
Respiração ofegante...
Ah moça pernambucana
Não esqueci a baiana
Com gosto de acarajé
Desculpe essa minha sina
Três moças de Teresina
Que me mandaram um bilhete
Intimando pra casar

Melhor é eu escapar
Me esconder em Fortaleza
Nos braços de Iracema
Essa tão bela morena
Do que morrer de amor
Pelas ruas de Recife
Olhando essa moça triste
Que veio de Mato Grosso
Só pra ver o alvoroço
Do carnaval carioca
Uma mulata suada
Malandra como ela só
Me falou de madrugada
Que era de Maceió
Mistura de um paraense
Com uma moça capixaba

E corria a madrugada
Fui correndo pra Belô
Ver a moça que falou
Que por lá o trem é bão
E era bão pra mais de metro
Não quero cantar de galo
Por que vim de Aracajú
Nem por que tomei um caldo
Daquele tal sururú
E suei a noite inteira
Nos braços de uma mineira

Sei que um dia eu morro disso
Mesmo sem ter compromisso
Mas ainda é Sexta feira
Quem sabe ainda dá tempo
Se eu correr como o vento
Pra feira dos paraíbas
Onde marquei um encontro
Com uma moça de Manaus
Na maior cara de pau
Vou pedir pra ver se ela me leva
Pra ver as moças ribeirinhas
De Rondônia ao Amapá
Eu com a pele toda rosa
De um boto tucuxí
Não quero nem imaginar
Nem vou escrever aqui
no que isso vai dar

Ah! Isso aqui é Brasil
Cheio de mulher bonita
Com ou sem laço de fita
Ou com pé maior que o meu
Afinal nunca fui santo
Muito menos fui ateu
Mas ando de léguas em léguas
farejando um cheiro seu.


Renildo Borges

Ainda sobre ele



Fui lá fora pra ser eu
Sem aqueles abraços teus
Que cercava a liberdade
Perguntando onde é que fui
Com quem falei
Quem é Pedro
Sempre jogando um verde
E aquele olhar como rede
Pra pegar uma traição
Apenas distanciava
Você do meu coração
Mas não sei se é verdade
Por que lá pelo fim da tarde
Minha saudade na janela
Fica sempre te esperando



Fui lá fora pra ser eu
Ir pra praia de biquíni
Sem aval ou aprovação
Sem o seu sim
Ou seu não
Na sexta feira
Num bar
Depois umas e outras
Uma dessas amigas loucas:
- Vi o teu gostoso amor
E como foi tentador
Aquele corpo moreno...
Não deu para aguentar
Foi aquele bafafá...
E me mordia o ciúme
Dos lábios dele
Do olhar
Do vai e vem
A me excitar
Vontade de me matar
Nas madrugadas vazias
Como a liberdade é fria.


Renildo Borges