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sábado, 29 de dezembro de 2018

Quando todos os gatos são pardos


Me cercou devagar com seu olhar
moreno
sereno
depois com teu riso
extrovertido
convidativo
ai,ai de mim
piscologicamente
ou de improviso
brincando com minha libido
alimentou meu desejo
com teu cheiro
com teu sabor
que imaginava
que desejava
no inicio de longe
depois foi ficando perto
meu coração já aberto
você chegando bem perto
percebeu que era profundo
diferente desse mundo
do agora e sem depois
e com sua maluquice
ficou só na superfície
da minha cama macia
êxtase e selvageria
do jeito que ela pedia
somente naquele dia
e voltou para o seu mundo
onde a noite
todos os gatos são pardos
e eu era apenas mais um
Gato preto rejeitado
a atravessar teu caminho
cheio de superstição
no teu vazio coração
ou talvez um pouco além.



Renildo Borges

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Almanaque da Caatinga


Não acreditei num anjo de araque
de tanga e de fraque
que vai pra onde vou
talvez nem viesse
pra essa caatinga
que tem marimbondo
de chapéu,três por quatro...
de Janeiro a Janeiro
Mas não tem mandinga
e nem macumbeiro


Farofa e cachaça
galinha ou um bode
talvez umas frutas
na encruzilhada
pra uma alma penada
assim como eu
não faria mal
mesmo sem ter sal
que o diabo não gosta
de água e nem sede

Só fica na rede
vestido num terno
no centro do inferno
tramando armadilhas
pois nem tem mulher
aquele gaiato
que tem pé de pato
e um chifre esquisito
me disse Agapito
que foi de mulher

Não acreditei no tal
tranca rua
com a cara pra lua
só por que montava
o cavalo do cão
sela de pelúcia
cheio de astúcias
querendo assombrar
um cabra da peste
que vem do nordeste
montado na coragem
no pelo sem sela
com a febre amarela
do sol do sertão
pra essas paragens

Deixe de bobagens
que servo do cão
é anjo caído
se mata a grito
dando aleluia
orando um salmo
e meu olho calmo
te vendo cair
te vendo gritar
te vendo pedir
te vendo tremer
e temer
O esconderijo do Altíssimo
também é caatinga
também é cantiga
também é ter fé
me falou o anjo
agora tão santo
vestido num manto
comendo rapadura
com torresmo
na feira dos paraíbas
eu que diga!


Renildo Borges

Em algum lugar do passado


Não te pergunto sobre a minha morenice
nem meu sotaque baiano,minha poesia utópica...
que me deu você numa manhã de sol
onde todos os seus desejos foram possíveis
todas as suas vontades saciadas

mas invadi teu silêncio covarde
e escrevi em teu apagado riso
que ainda queima como a fogueira de São João
a paixão
antes de nascer a aurora
antes do espelho rir de mim
e contar aos passarinhos
que eu definho

Não te pergunto sobre teus cabelos loiros de fogo
sobre os teus olhos de azul gaúcho
hipnotizando os meus
que me escravizaram numa manhã de sol
onde sonhei acordado
o delírio de ter você
Mas me crucifiquei escrevendo
os teus passos para o adeus
sem sorriso ou saudade
naquela calada tarde
desejei morrer
enquanto andava em Porto Alegre
te procurando...
e testemunhou a aurora
minha tristeza sem ti
Traga para dentro de mim
tudo que se perdeu nos instantes.


Renildo Borges

Quando amanhece o homem


Saí do sereno menino!
isso faz mal ,
E eu olhando as estrelas
lá distante
como meu sonho de ser poeta
escrever coisas que passava
pela minha cabeça que corria
que corria
como o vento
ventania
por castelos,reis e rainhas

um dragão pra enfrentar
meu cachorro bom de faro
sempre pronto a me alertar
latiu, apontou o focinho
mostrando que vinha o sol
lá longe o arrebol
pintando as coisas de Deus
que a noite tinha pintado de negro
mas eu e a estrela dalva
continuávamos ali
contemplando o horizonte
de tantas possibilidades


Saí da chuva,menino
você vai ficar gripado!
E os raios cortando os céus
o ribombar dos trovões
pelos campos de capim Pangola
correndo de peito aberto pela chuva
eu e as criações de Deus
boi fumaça,ovelha linda
Laika a minha cadelinha
voltou pra debaixo do assoalho
chorando com um medo besta
E eu ouvindo Deus falar
para os homens que pensavam
que eram alguma coisa importante
Na enxurrada o pó do qual foi
feito o homem se desfazendo
como se desfaz o homem
como se desfaz a vida
árvores,animais e pedras
todos farelos do tempo

Menino,vá dormir!
amanhã tu tem escola
A ciência exata do homem
dez dividido por três
sempre sobrava um
um conselho de minha vó
"Seja sempre Deus verdadeiro
e todo homem mentiroso"
Está escrito no livro santo
calando a teoria dos homens
Big bang e a teoria da evolução...
A evolução é o amor
por tudo que nos cercam e gritam
diz me os olhos de tudo que me fitam
pelos caminhos que ando
tudo é belo
e nada é eterno
por que o mal do qual se vestem alguns homens
podem ser despidos
lavados
remidos

me cubro com o manto de lembranças de minha vó
e não consigo dormir pensando naquela pergunta
que ela me fazia sempre e nunca consegui responder
-Quanto custa um sorriso?
-Quanto custa um abraço?
-Quanto custa estender a mão?
Eu não sei!
Só sei da sensação maravilhosa que vem depois
de olhar nos olhos de quem é grato.


Renildo Borges

O Senhor das rosas


Me chamaram de senhor
Pelas bodegas da vida
Aquela gente sofrida
Comprando a falsa alegria
Num copo de agonia
No balcão da ilusão


Senhor? Ah! Eu não posso ser
Eu nada tenho nas mãos
Aprume a tua visão
Repare naquela rosa
Por entre as árvores frondosas
Senhor é quem a faz crescer
e dá também o perfume

Me chamaram de senhor
No escuro da madrugada
Aquele povo sem nada
Na mão a impalpável fé
Vendida por dez por cento
Do teu salário miséria
Por uma vaga no inferno
pra aquele que te cobrou
Por que no céu é de graça

Senhor? Ah! Eu não posso ser
Não sei entrar em tua mente
E plantar lá a semente
Pra que continue inocente
Sem conhecer esse lado
Da cobiça, sexo e vinho
Que erguem pelos caminhos
Onde pousam os passarinhos
Desavisados das tramas
Para não voar jamais

Me chamaram de senhor
Numa sexta feira negra
Manchando a santa inventada
Na procissão da cobiça
Me estendendo a mão aflita
Por inúteis cacarecos
Me fazendo de boneco
Num circo mambembe e caro
Cujo dono salafrário
Eu juro nem sei quem é

Senhor? Ah! Eu não posso ser
Por que seu fosse senhor
Montaria em minha ira
e mataria o egoísmo
antes dele ser menino
antes dele ser adulto
pra não corromper o justo
transformando em falso astuto
que compra a morte a prestação.
Diga não!


Renildo Borges

Rio da Serra


Amanhã pertence ao mundo
o que eu tenho é só o agora
meu olhar derramado
sobre a noite longe
e a palavra dita:-Volta!
se perdeu na madrugada
e calou-me por tão longos anos


Uma palavra no vento solto
Eu espero no tempo calado
As bocas costuradas de silêncio
As cartas as traças comeram
Na rua do passado eu sento
na varanda da minha lembrança
E lá está minha avó fabulosa
E nós ouvindo sua prosa
Até o escuro da noite
Quando cantava o bacural

No embornal da infância
Tantas histórias guardei
Caminho pela mesma rua...
sozinho
minhas mãos vazias
sem as tuas
meu peito cheio de sonhos
mas só o silêncio
presta atenção na minha chegada
e por dentro de mim
o choro
do menino
assassinado
pelo tempo
carregado de ilusão


Renildo Borges

Ainda


“Quando disseram que tu vinhas
Alguma coisa modificou em mim
O dia ficou mais bonito e claro
As flores pareciam exalar mais perfumes
No reflexo do riacho onde levei as cinzas
de uma longa saudade no meu rosto
eu pude ver no meu olhar que ainda te amava.”



Renildo Borges

Libertas quae sera tamen



Tu me deste a tua cor
Como a noite sem estrelas
Mas me mostrou desde cedo
Lá fora pelos campos
Pelas montanhas
Correndo como um menino
A palavra liberdade


Tu me deste a tua cor
Era tudo que tu tinhas
Teus lábios grossos
Tua língua Banto
E o cabelo carapinha
Olha lá a liberdade
No canto do passarinho
Olha lá a liberdade
No voo da andorinha
Me falavas
Me falavas
Bem baixinho a meu ouvido

Lá fora o medo rondava
Com a covardia na mão
Sem aquela espingarda
Não seria homem não


Renildo Borges

Quando encontro a ilusão




Nada é santo
Meu poema acordou de manhã
Sujo de cinzas de amores
cuspindo um verbo encardido
em pétalas murchas de flores

Meu poema correu pela tarde
suja de vento de sangue

Nada é santo!
Quando eu perco o equilíbrio
E me atiro a ilusão...
E o espanto!
Quando alguém recolhe
Meus cacos pelo chão
E me remenda com seu sorriso...

Nada é sagrado!
Quando danço um fado
com a fada que invento
pra fugir da verdade
que queima,
que arde
por entre suas coxas
minha língua
em sua boca.

Tudo é lembrança
No verbo encardido
De tanto ser repetido
De tanto ser vai e vem
De tanto ser de ninguém
De tanto ser bálsamo e dor
De tanto querer ser amor.


Renildo Borges

Ausência


A noite
Eu bebo ausências
Invento amores
Danço em madrugadas
Ao som da desilusão
E quando amanhece
E o dia me veste
De tão mortas horas


Eu quero ir embora
Para o infinito
Montado num grito
Que grita no fundo
Da ansiedade
Mentira ou verdade
Servidas na mesa
Dessa coisa acesa
Que dizem ser vida
Faço sexo com fantasmas
Que nem sabem que existo.



Renildo Borges

O gosto de tudo



Eu não coleciono corpos ou rostos
Mas o jeito que você me ama
Nas ruas
Com palavras nuas
Nas noites
com seus sonhos mortos
Nos bares
Toda paciência
Na igrejas
com seus anjos tortos


Eu não coleciono palavras ditas
Com desespero
Com destempero e aflita
Com paciência e desdita
Onde o amor nunca fica
Não é seu corpo
Seu rosto
O só nós dois
O exposto
Mas em minha boca
O gosto.


Renildo Borges

Moulin Rouge



Acordo de madrugada
Com vontade de voar
Pra longe dessa gritaria
Das horas de agonia
Que grita a vida que passa
Com malas abarrotadas
De mentiras
E palavrões
E a Fome
É quem mais esperneia
Sendo ela minha ou alheia
Negociando a virtude
Xoxota por um pastel
Grita a vida que é puta
Bem na porta do bordel
Que os tolos chamam de mundo
E pagam seu preço imundo


Acordo de madrugada
Com vontade de matar
O vício que me vendeu
Pra uma mulher que tinha dinheiro
Wisque,cigarros,cachaça
tchaca tchaca na butchaca
ciúmes e outras drogas
se sentindo poderosa
me escravizou até ontem
meio dia o sol a pino
o enterro e eu fingindo
que era doce a vida
e o reflexo de mim
estava além do jardim

acordo de madrugada
silêncio da passarada
toda as mentiras guardadas
e então eu vou com o vento
afinal eu sou poeira
como os sem eira nem beira
que me acompanham na jornada
e acordam de madrugada
e pagam o preço da vida
colorindo os tons de cinza
antes de voltar ao pó


Renildo Borges

Adágio


As horas voaram
Mesmo sendo a pressa
Inimiga da perfeição
Mas eu não sou besta não
Fui com ela pro sertão
Se fosse a pé eu nem sei
Se chegava ainda vivo
Afinal seguro morreu de velho
Me dizia a minha vó
Só que nunca me contou
Onde estava enterrado
Pra mim fazer uma visita
Pelo dia de finados

E estava ao deus dará
Todo aquele legado


Mas mentira tem perna curta
E o silêncio foi quebrado
Para bom entendedor
Meia palavra basta
Mas um escreveu e
não leu e a macaíba comeu
bem na boquinha da noite
quem cochicha o rabo espicha
mas é melhor cochichar
pois todo mato tem olho e paredes tem ouvidos
me falou de improviso um cantador do sertão
rapadura é sempre doce mas nunca foi mole não
mas me digas com quem andas pra mim ver se vou contigo
afinal as nuvens são como chefe,quando desaparecem o dia fica lindo.


Renildo Borges