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sexta-feira, 8 de novembro de 2019




Longe demais do meu eu.


No começo a “ certeza”
Que me serviam na mesa
Que me serviam na escola
Que me serviam na igreja
Bendito louvado seja

Depois a desconfiança
Que me serviam os mendigos
Que me serviam os ladrões
Que me serviam as putas
Que me serviam os barões

Me escondi nos porões
Matei o amor que eu tinha
Por toda essa coisa “certa”
Por toda essa ladainha
Da verdade absoluta
E da mentira mesquinha

Renildo Borges


Branca manhã,Negra noite.


Amo os cães vira latas
que como eu são livres das coleiras
que usam os que tem pedigree
que estão sempre por aí
pra onde o nariz aponta
as vezes as cegas e as tontas
decifrando inúteis códigos humanos
que santificam o profano

Amo os gatos escandalosos nos telhados
tentando as gatas no cio nas madrugadas
mesmo eu não tendo nada
invento um amor de olhos claros
abraço sua cintura torneada
e sigo dando risada
indo por qualquer estrada
onde amanheça o dia
e amadureça a esperança

Amo os que só tem o corpo
maltratado e quase morto
mas que conhecem o amor
bruto sem nenhuma flor
regado pela esperança
branca manhã
negra noite
se mistura
no infinito
e aos gritos
os cegos
os egos
classificam
a ou b

Por tudo que fui e sou
utópicas manhãs já mortas
pelos que bateram a porta
na cara
ou pra se abrigarem
da friagem sempre humana
que soprava o vil metal
escravos de classe ou credo
que o homem inventou pra si.

Renildo Borges








Imperfeita simetria


As belas moças passando
Com os seus vestidos santos
Sem pecado e nas cabeças
Aqueles sagrados mantos
Não rides nem olhem os moços
Pois quem gargalha é diabo
Avisam as mães com o dedo em riste
E não causam embaraços
Àquelas mães perfeitas e tristes
E seguem as moças que estudam
O bom Deus e o mau Diabo
Que não sabem o que é paixão
Ficar as noites acordadas
Se perguntando o que é isso
Dentro do peito pulsando

As belas moças passando
Não conhecem dor ou desenganos
Planejaram o seu destino
Seguem humildemente o plano
Abrir as pernas só pra um homem
Depois de assinar um papel
E sendo abençoada
por quem representa o céu
E parir muitos meninos
Pouco importa o que dizem
as que saem as madrugadas
Que gostam de gargalhar
Debruçadas na vaidade
Testando homens e gozos
Pelas ruas do pecado

As belas moças passando
Me contam as luas e as horas
As vezes falam com os ventos
Sobre a dor e por que chora
Sabem tudo sobre o certo
Mas nada de solidão
Mesmo com o marido ao lado
Não sente gozo ou paixão
Mas o que importa isso
Ela não é uma perdida
Das que dançam com a vida
Quando a vida convida
Apenas uma bela mulher vazia
Que anda sempre direita
Bem vestida e lá por dentro
Um fogo que arde e quer
E aos domingos vai a igreja
Bendito louvado seja...
Mulher!

Renildo Borges

Por que sou Humano


Eu tentei ser fulano
por que fulano torce pra time
gasta dinheiro com ele e nunca ganha nada
exceto a ilusão de ser campeão
no seu barraco espremido no morro
que volta e meia pede socorro
junto com a fome que também grita em seu abdômen
Mas achei muito ignorante esse bicho homem
que acredita em fadas e em lobisomem

Eu tentei ser sicrano
por que sicrano anda de avião
escala o Everest arriscando a vida
e entre vindas e idas
os meninos da África vão e não voltam mais
pelos campos sagrados do nosso egoismo
o valor de uma roupa de marca salvaria uma vida
mas chorei demais nessa despedida
olhei pra mim mesmo e me achei vazio
trocando vidas por status e cio
eu parasita como um carrapato
confesso que senti asco

Eu tentei ser beltrano
por que beltrano falava de Deus
me apontava o dedo e todos os erros meus
então fiquei “feliz” e eu tentei mudar
mas atiravam pedras nos gays,nos ladrões e nas putas
pediram dez por cento de toda minha labuta
falavam de inferno sem pena e sem dó
mas ame teu próximo... nem um dia só
achei-me um homem pior que os outros
falando de Deus e andando coxo

Cansei de tentar
aquilo que não sou
tentar esconder essa minha dor
se eu chorar me abrace
se eu sorrir também
meu pedaço de pão
meu café requentado
minha esperança
minha dúvida
meu sonho
divido contigo
por que sou humano.

Renildo Borges

Quatá - São Paulo 1968 - Parte 2


Deixei meu cachorro Duque
Minha porquinha Tuíca
Meu pé de café de bugre
Bem lá pertinho da linha
Onde passava o Ouro Verde
indo lá pra Rancharia
Sempre as dez nunca atrasava
e eu matutava em minha cachola
deve ser bom ir nesse trem

Deixei o meu pé de ingá
onde tinha marimbondos
eu e minha teimosia
ferroadas e muito tombos
Deixei de buscar café na roça
Para minha avó
torrar no tacho de bronze
Depois socar no pilão
Eu e meus 4 irmãos sentados
na mesa grande,esperando
com os olhos grandes espichados
no bolo de fubá e nas rosquinhas
que vó Ana toda manhã fazia
vontade de pegar uma antes do tempo era grande
mas o medo da palmatória era maior ainda

Deixei a menina moça
Que passava pela estrada
Todo dia pra escola
Com sua saia plissada
Só eu é que namorava
E ela sem saber de nada
Pra vir comer fumaça e vento
Das fábricas e escapamentos
Nesse triste itinerário
Eu e tantos outros otários
Sempre escravos do horário.

Renildo Borges








Como era verde o meu sonho


Quem sou eu pra lhe apontar o dedo
Se desde cedo erro o caminho
Batendo em portas que desenhei
Buscando sonhos
Achando espinhos
Nenhum abraço
E eu sozinho

Quem sou eu
Pra reclamar do seu silêncio profundo
Se eu já gritei
Por ti
Por tantos
Na mesma tecla do desencanto
Por essas ruas sempre vazias
Da humanidade que eu queria

Quem sou eu
Pra desistir de tudo
Me esvaziar
Do que me dão
os absurdos
fermento
e ácido
dor
poesia
tinta escrevendo
nas madrugadas
um novo dia.

Renildo Borges


Lua Nova


Você me quer por inteira
Mas já sou amanhecida
Fragmentada
E refeita
Pela rua da ilusão
Eu sou pedaços de risos
Que pretendia contigo
Cacos do que foi amor
Caídos da solidão

Eu sou pedaços de tempos
De sonhos que vão embora
Quando o amor amanhece
E acha velho o sorriso
Depois de me por de quatro
De me revirar por dentro
comer minha língua muda
que não sabe dizer não
bateu a porta e se foi
de quem pensava ser sua

Você me quer por inteira
mas eu sou só a metade
sabe aquela submissa
como cadela no cio
que era louca por ti
que sabia cozinhar
os pratos mais variados
lavava suas roupas sujas
fedendo a putas da Lapa
dava chá de paciência
para curar sua ressaca ?
Sabe! Você não a merecia
Por isso eu a matei
Nem lembro qual foi o mês.

Renildo Borges










Utopias, Quimeras e Caixa de Pandora


Ah se minhas lágrimas pudessem
Cobrir o teu corpo com frio
Alimentar tua boca
E buscar água no rio
Para matar tua sede
Nesse mundo tão hostil

Ah se minhas lágrimas pudessem
Buscar o amor por quem choras
E aqueles que Deus levou
Quando tu mais precisavas
Pra abraçar tua solidão
Segurar tua mão e ir em frente
Antes que o dia amanheça

Ah se minhas lágrimas pudessem
Lavar o ódio que mancha de sangue os campos de guerra
Que ceifam vidas e cortam a bala os sonhos desenhados
Guardados nas gavetas dos seus sentimentos
Para um outro dia qualquer
se puder voltar
Trazendo a lembrança dos amigos mortos...

Ah se minhas lágrimas pudessem convencer
que é sagrado a liberdade de qualquer um
Que não importa o que pensamos nós
Com nossos obscuros pensamentos atroz
Quando escapa alguma malfadada voz
Numa perseguição cruel e veloz
Os generais colocam seus casacos de preguiça
E apenas fitam

Ah se minhas lágrimas pudessem dizer-te
Que dependo dos outros para ser feliz
Mas não dizem nada
a tantas mentes cauterizadas
Então me rendo e faço uma oração
Para que minhas lágrimas se transformem em risos
Antes do prometido paraíso.

Renildo Borges




Dona Generosa


Não foram as palavras
que amaciaram
meu coração duro
e o pensamento impuro...
Foram os teus gestos
Esses teus afetos
Teu olhar de compreensão
O estender das suas mãos

Não foram os perfumes das flores
Que me aliviaram as dores
Nem dissiparam
O bafo fétido da morte
De quem não tinha sorte
Foi tua fé persistente
Teu joelho no batente
Às portas do mundo
E teu amor profundo

Não, não foram as quase amigas
De quem tu falavas
Nem mãos que tocaram meu corpo limpo
Sujando
Manchando
Todo o teu cuidado
Deixando um gosto insosso
O amor abortado
O sonho estagnado

Mas o teu colo
Seu silêncio falando
Tuas lágrimas lavando
As manchas
As nódoas
do que não podia
Uma tal consciência
Que me proibia
Minha total ausência

Minha rebeldia
De noite de dia
Matando teu riso
Tua fé a prova
Te resignando...
Não me apontava o dedo
Essas mãos de mãe
Mas o teu olhar muito carinhoso
sempre me dizia:
Ah ,Rosa!
e me abraçava
mesmo com os meus espinhos
te fazendo sangrar.

Renildo Borges

Quado Setembro vier


Quero me perder por aí
sem essa vida marcada
relógios,e-mails,compromissos
Segunda,Quarta e Sexta-feira o lixo
que vomitou na tv as bocas medonhas
as palavras enfadonhas
de vendedor de pamonhas
Pra ver se você me encontra
Numa manhã de Setembro


Você que não sei quem é
mas que deve saber tudo
sobre silêncios e gestos
Mas bem que poderia
Usar uma pulseira hippie
Daquelas trançadinhas
Com um coração no meio
e com o meu nome em volta
Que tivesse um sorriso no olhar,
uma certeza muito grande
de que seríamos felizes
antes que termine a primavera
e as flores murchas e sem perfume
caiam sem vidas enfeitando o chão
Que seja sensível e doce
Que se sente ao meu lado
Nessa calçada suja
longe da limpeza étnica
desses homens sujos
de ganância e ódio
Que as garrafas pets e papeis sujos
onde os homens escrevem suas mentiras
sobre eles mesmos e suas armadilhas
rolando pelos ventos
de um lado para o outro
tentando voar como eu
não seja um empecilho

Que não me diga nada
sobre a falência dos relacionamentos humanos
que não tenha também nenhum plano
(Por que os meus,todos falharam)
para salvar o mundo
os latifúndios
o verde
as baleias
a cana caiana
a cobra ouricana
o céu encardido
o tapete vermelho
o tão falso espelho
que refletem o inferno
dos políticos
o lixo
o juiz
como a meretriz
passeia pelo meu nariz
por que sempre haverá mentiras
e despertará a ira
e não o amor

Não deve brigar com o cãozinho
que não sei por que deitou-se ao meu lado
talvez se sinta só como eu
com esse olhar profundo
me falando mais de amor
do que as coisas do mundo
mas pode me oferecer um drops
que seja de hortelã
pra suavizar minha voz calada
por que está arranhada
por palavras duras
que gritei outro dia
pra essa solidão
essa distância
essa ânsia de querer ser feliz
de salvar os outros
desses amores toscos
é melhor nem saber
não falaremos do que não deu certo
do que é longe ou perto
desse jogo e fogo
que é o amor e a vida.
Obs.
Se gostar de mim,devo dizer que levarei o cãozinho comigo.

Renildo Borges


Vício


Não,você não sabe o quanto me esforcei para te achar interessante,o problema é que eu não era e você não ia gostar.
Me desculpe! Um amor que não morreu ainda,caminha como fantasma pelas ruas do meu coração triste.
Me escondo atrás dos meus olhos fechados só pra ver o sorriso dele,rindo em algum lugar,talvez descendo as escadas de Santa Teresa,com aquela prancha de surf surrada. A grana curta não deu pra comprar outra.
Mas gosto mesmo é de sentir o cheiro dele,do seu perfume barato comprado num camelô pensando que era importado.
Ele era muito lindo.Era não,ele é muito lindo,por que ele não morreu,quem morreu foi a minha minha coragem de dizer a ele umas poucas e boas.
Que não sou sua posse,seu sex appeal
que tudo que quero é um amor real e leal
São 4 horas da manhã,ainda não consegui dormir,e isso já faz semanas.Me lembro da vez que ele deitou aqui comigo,uma única vez,meus pais não estavam em casa,me lembro da ânsia estampada no olhar dele,a pressa...
Foi a minha primeira vez,mas confiei nele,não tive medo,fechei os olhos e deixei rolar,tantos dias adiados,a falta de grana,de carro,eu tinha dinheiro da mesada que meu pai me dava,a gente podia ir num desses hotéis que se fica duas horas ou 24 horas,mas ele não ia aceitar.
Dizia que mulher não devia pagar coisa alguma,que aquilo era coisa de homem,dava vontade de rir daquele machismo latino dele.
Estávamos juntos a apenas três meses mas parecia uma eternidade.
Eu sei tudo sobre ele,sei do lugar de onde ele veio,Tomar do Geru,uma cidadezinha no estado de Sergipe lá no Nordeste,achei engraçado o nome do lugar e ri,ele se zangou,passou uma semana sem falar comigo.
Mas não foi por causa disso que nos separamos,nos separamos por que ele é muito convencido.
Ele acha que quando beija minha boca eu fico super excitada e fico louca pra transar com ele.
Ele acha que quando eu marco um encontro com ele fico contando as horas até nos encontrarmos.
Ele acha que eu tenho um medo imenso de perdê-lo e se isso acontecer,eu não vou consegui dormir por noites e noites,por isso eu estou com raiva dele.
Só não entendo por que eu fico com raiva ,se tudo o que ele diz é verdade.
Por falar nisso ele me ligou,faz dez minutos,por que sabia que eu estava acordada pensando nele e me disse com aquele convencimento irritante,que é para eu ir ver ele antes que enlouqueça.
Que raiva!

Renildo Borges



O Silêncio dos Pássaros


Seu Galalau já não tinha aquela postura ereta
Os anos foram pesando e arqueando lhes as costas
Aquele olhar de um azul profundo que acolhia todo mundo
Agora era desprezado
Aquele homem que passou e nem lhe deu bom dia
Era filho de Sofia que um dia acudiu nos braços
E não havendo tempo e espaço ele mesmo fez o parto

Seu Galalau já não tem aquela voz macia
Que chamava a atenção de quem a ouvia
Pediu com educação,por que isso nele permanecia
Se aquele moço podia,mas antes de terminar a frase ouviu um não
E isso dilacerou seu coração,aquele moço era filho de Adão
Aquele que ele lhe deu a primeira instrução
Se achou um mestre ruim,se culpou pelo resto do dia
E carregou aquele peso a mais nas suas costas que doía

Seu Galalau tem os cabelos brancos
O sol que bate neles agora já não realça o loiro bonito de antigamente
Que muita gente admirava e elogiava,outras até se apaixonava
Uma delas pariu sete filhos teus
que se perderam pelo escuro breu
Dos becos da ambição
Levaram tudo que seu Galalau tinha de valor
Valor material
Depois que ela morreu
Menos a sua decência e o seu amor
Que seu Galalau tentou lhes dar
Seu Galalau também carrega essa dor
Seu Galalau está muito cheio de virtudes e amor ao próximo
Ninguém apanhou com ele um pouco daquilo tudo que ele tinha
E aquilo foi juntando e juntando no seu coração
E seu corpo foi ficando cansado e carregado
E seu coração não pode suportar tanta coisa assim
 
Seu Galalau partiu de manhã
Era Domingo,havia céu azul e sol
Mas os pássaros se emudeceram
Dizem que os sabiás choraram
Quem passava estranhou aqueles tantos pássaros
Calados sobre os muros do cemitério
Por que eles ouviram e viram
Seu Galalau durante anos
Em sua labuta
Para preservar e difundir o amor
E por isso o respeitaram
E o pomar com suas árvores frutíferas
Que seu Galalau plantou
Alimentará ainda por muitos anos
Aqueles pássaros sensíveis
Muito melhores que os homens.

Renildo Borges



Rádio Alegria


Eu a vi lá na feira num dia de sol
Cabocla mais linda daquele lugar
E dei lhe um sorriso ,um doce olhar
E ela se foi sem sequer me olhar

Eu a vi lá na missa bem perto do altar
Rezei sete terços pra ela me notar
E os santos calados nem me responderam
O porquê da paixão, daquele desmantelo

Mandei por Toinho uma água de cheiro
Um corte bonito de pano da costa
Pois alguém me disse que disso ela gosta
Mas ela se riu e disse não quero
E diga pra ele parar de lorota

Pedi pra Raimundo da rádio alegria
Tocar uma música falando de amor
Dedicado a ela três vezes por dia
Dizem que ela ouviu calada, sem jeito
Parece que não havia nada no seu peito

Mandei várias vezes alguns buquês de rosa
Bilhete dizendo tudo que eu sentia
Mas ela calada ,indiferente e fria
Mandou me dizer que eu parasse com a prosa
E que se feriu com um espinho das rosas
Fui lá na macumba de Dito Tinhoso

Cabra feiticeiro, muito tenebroso
Que me prometeu dali a sete dias
Que aquela cabocla pra meus braços viria
Aguardei ansioso contando as horas
E me afligia aquela demora
Mas quá!
Nem em pensamento me veio a cabocla,
promessas aos ventos e a boca insossa
Não disse mais nada a ela sobre o que sentia
Fui tomar cachaça pra ver se esquecia
Andei em botecos de noite e de dia
Pelos cabarés da velha Sofia
Mas até as quengas também pressentia

Um dia não sei se por pena ou despeito
Mandou me dizer um tanto sem jeito
Se ainda queria
Se ainda sentia
Aquilo que o povo todo lhe dizia
Me fiz de difícil
Levei sete dias
Pra sentir na boca o gosto
Da difícil Maria.

Renildo Borges



Muito além da imaginação


Quando meu amor voltar de si mesmo
Prometo que vou sorrir
Não por que ele nunca foi
Além da imaginação
Mas pela sua tentativa
De tentar viver sem dor

Quando meu amor voltar
De si mesmo
Dos campos sagrados da ilusão
Abrirei meu coração
Mesmo se for feriado
Porque mataram o amor
Porque secaram as lágrimas
Porque não amanheceu
Esse tão estranho eu

Quando meu amor voltar de si mesmo
Dos seus amigos baratos
Assim como ele é
Sem arrotar presunção
Mesmo que embriagados
Das palavras que beberam
Nas bocas
Nos becos das garrafas
Nas feiras do rala e rolo
Prometo que darei consolo
E o que ele mais quiser
Porque esse olhar
De cachorro com fome
É irresistível
Ah homem!

Renildo Borges



Quebranto


Me faça um verso
Me diz a dor
Me diz a lágrima
Me diz a fome
No palco imundo
Do submundo
Eu sou poeta

Todos calados
Eu escrevendo
com suas dores
eu me misturo
e os pensamentos
Atrás do muro
Do absurdo
A lágrima
O riso
Amor perdido
Buscando sol

Sete sentidos
Tão escondido
Criando rixa
Falsas delícias
O rosto
O corpo
Estampa o roxo
Na ventania
Do falso up
Pelas vitrines
Que nos oprime

Me faça isso
Me faça aquilo
Um estribilho
Uma canção
Vinda do norte
Muito sotaque
Inveja e riso
Dos quatro cantos
Uma viola
Uma sanfona
Só o aroma
De ser feliz

As folhas murchas
Da benzedeira
Por trás das costas
Se foi quebranto
Ou só espanto
Todo encanto
Na escuridão
Do teu
Do meu
Do que perdeu
O nosso olhar

Branco do dia
Da agonia
De ser meu par
De andar comigo
Olhando o nada
Os olhos secos
Palavras mortas
Bocas murmuram
Mãos para o céu
Todos os sonhos
Pro beleléu
Na escrivaninha
Ainda rascunho
Os surdos homens.

Renildo Borges



Há mais medo na luz que na escuridão


Mãe botou café no meu leite
Os dias ficaram morenos
Mas meu nome era Clara
E quando dizia meu nome
Alguns olhares dissimulados
Se riam de mim escondidos
Em seus pensamentos toscos
Mas em alguns eu podia perceber
Um olhar receptivo
Meio tímido como eu

Mãe apagou a luz
E aqueles que tinham medo como nós
Foram chegando
Para ouvir as histórias
E a dor então contou
Aquela voz que ribombava como trovão
Falou dos porões
Dos navios negreiros
Das chibatas
Dos estupros
Dos grilhões
Da humilhação
Da segregação

Ouvia-se na escuridão soluços e choros
Por que lá podia chorar
A tristeza não escolhia
Branco ou preto
Na escuridão
Todos nós éramos humanos
Toda voz se podia ouvir
Todos que estavam ali
Tinham a mesma porção
De lágrimas dentro de si
Na fonte de sua humanidade
Que ainda não havia se secado

E quando tudo ficou claro
Como o dia
Alguns brancos lívidos de vergonha
Nos deram as mãos
E nós choramos juntos
Por que em nós
Ainda que fosse só esperança
Ainda havia a fonte
A fé
A luta
Por um novo horizonte.

Renildo Borges


Um dia desses qualquer


Meu amor imaginário
Que inventei outro dia
Só pra te fazer ciúmes
Só pra não ficar sozinho
No sofá de madrugada
E você toda fechada
Cara,boca e tudo mais
No quarto que era nosso


Meu amor imaginário
Tem um corpo de sereia
Tirei as estrias que tinha
Por que pensava em você
Na tua pele morena
Nesse teu jeito de ser
Mas depois botei de volta
Pra não ficar diferente


Meu amor imaginário
nunca diz que tá com sono
pra desligar a tv
que amanhã o dia é duro
não implica igual você
e não transa no escuro
pra olhar se eu engordei
se comi fora de casa
cheira minha boca e beija
rindo de um jeito escandaloso


Meu amor imaginário
Mesmo sendo temporário
Me olhava de soslaio
Quando pensava em você
E um dia sem me dizer
O ti ti ti ,o por quê
Se mandou de madrugada
Ciumenta como tu


E eu subi as escadas
com a cara mais descarada
Ensaiando as palavras
que devia lhe dizer
E por fim nem foi preciso
Você fingiu que dormia
E depois de alguns segundos
Tava colada em mim
Também fingi que nem vi.

Renildo Borges


Descompasso



Há tantas pessoas escondidos
Que quer lhe dar um bom dia
Boa tarde ou boa noite
Mas tem medo dos açoites
Da língua que mata e fere
Querem falar o que são
Ou te oferecer a mão
Falar de cheiros
De rosas
De coisas também rançosas
Que desequilibram a rotina
Igreja e purpurina
Vomitadas no altar
E berra o ego eu sou
Querem receber abraços
Dançar fora do compasso
Que impõe a estupidez
Há tantas pessoas bonitas
Como o por do sol
E o amanhecer
Sentados na escuridão
Com medo de lhe dizer
Que os teus olhos encantam
Que teu corpo quando dança
Dança com ele a vontade
Antes que seja bem tarde
e a vida lhe chame de covarde
Tire as máscaras e armaduras
Seja a alma simples e pura
amor também é coragem
E digam: -Vem me amar!
Renildo Borges



Quociente insuportável


Nada é meu
Nem mesmo eu
Ridículo ser
Querendo ser
Não sei se é certo
O livro aberto
Metáfora e fé
Que o tempo leva
E a morte espera
Com uma passagem
Pra uma viagem
Para o além
Além de toda
vã pretensão
de ser alguém
de ser ninguém
de ser um santo
um mentiroso
habilidoso negociador
perdão
pecado
vão lado a lado
pagando o soldo do dia meu
e quem sou eu
domesticado
sem ser alado
as frutas podres
sementes boas
eu rindo a toa
do meu papel
um julgador
um pensador
um dedo duro
um carniceiro
comendo restos do amanhã
que eu matei
por ser quem sou
ódio e amor
noite e dia
igual a dor
ou alegria
quociente insuportável.
Renildo Borges



Saudade Morena



Tudo de mim nos braços dela
Esse amor que desmantela
Pelas noites do sertão
E aquela lua amarela
Na escuridão da saudade
No varal do pensamento
Estendendo a solidão
As vezes em algum vento
O teu cheiro em minhas narinas
Ó Cruel ,tão triste sina
Viver assim sem você
Sem o calor do seu corpo
Moreno cheirando a flor
Sem o teu olhar
Sem teu riso
Sem o teu (in)finito amor
Não devia haver outrora
Pra o amor não ir embora
E nunca ter que voltar
Em outras auroras de espera
Por essas veredas da vida
Abrindo tantas feridas
Trazendo desilusão
Por quê ? Não sei lhe dizer
Qual foi a palavra dita
Que quebrou o elo
O laço
Confesso que me embaraço
Quando penso em Iracema
Essa saudade morena
Que corre dentro de mim.
Renildo Borges

Fogo morto

Onde ficou tudo de mim que eu lhe dei
meu corpo inteiro
meus pensamentos
todos os meus gestos
inteiro afeto
escrevinhados
por contos de fadas
de um livro onde assinei
com você
o meu
e o teu querer


meu fogo novo
que não consomes
e estes nomes
que balbucias
enquanto sonhas
babando em fronhas
de quem será?
em minhas noites tão enfadonhas
teu corpo morto
bem do meu lado
sem ter vontade
qualquer coragem
pra me tocar
eu toda em brasas
e a madrugada a se acabar

minha alegria
as iguarias
sem ter certeza
todos os dias
na cama e mesa
minha utopia de ter você
na minha vida
demais fingida
pra não ter dor
quem bem me quer
longe da deixa
ou qualquer queixa
solta nos ventos
ou diz que diz
nunca me fará feliz

onde ficou o compromisso
a aliança
a festa
a dança
declaração do teu querer
não é você nu
em minha cama
e nem me lembro em qual semana
mas é despir seus sentimentos
dizer adeus
que já não quer
as curvas
os montes e a límpida fonte
do teu oásis abandonado
onde beberá quem vier
depois de você
semeando sementes de flores
pelo deserto de mim


Renildo Borges


Sobre pedras e humanidade


As pedras do caminho atire-as
nos preconceitos
Atire-as nas injustiças
atire-as na fome
nas doenças
na hipocrisia
nas mentiras
que prometeram um dia
os homens brancos
de terno e gravata


Deixem que sangre
como sangra a dor
nas madrugadas silenciosas
dos barracos
das favelas
quilombolas
nas aldeias
onde só quem ouve
é um Deus longínquo

Quem sabe assim aprenderão
a dor da palavra dita
que remédio nenhum sara
que corta com navalha
o sentimento alheio
(o pão mofando no egoismo
a morte ao pé da ladeira
esperando as crianças desavisadas
desassistidas de tudo
que chamam de amor ao próximo)
por que todo homem é cego
se não tiver consciência

Nas fontes do caminho
lavem o ódio
lavem os olhos
e vejam a alma
se acalma
lavem as feridas doloridas
que sempre trazem a vida
por mais que corte caminhos
se desviando dos espinhos
num descuido
num cansaço
vem e corta como aço
as mentiras
as vaidades
e antes que seja tarde
busque pra ti um amor

pra ter com quem dividir
o riso
a dor
a cama
o pão
a alegria
o fruto de sapoti
que caiu lá no quintal
saia desse vendaval
o bem sempre vence o mal.

Renildo Borges