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sexta-feira, 8 de novembro de 2019




Há mais medo na luz que na escuridão


Mãe botou café no meu leite
Os dias ficaram morenos
Mas meu nome era Clara
E quando dizia meu nome
Alguns olhares dissimulados
Se riam de mim escondidos
Em seus pensamentos toscos
Mas em alguns eu podia perceber
Um olhar receptivo
Meio tímido como eu

Mãe apagou a luz
E aqueles que tinham medo como nós
Foram chegando
Para ouvir as histórias
E a dor então contou
Aquela voz que ribombava como trovão
Falou dos porões
Dos navios negreiros
Das chibatas
Dos estupros
Dos grilhões
Da humilhação
Da segregação

Ouvia-se na escuridão soluços e choros
Por que lá podia chorar
A tristeza não escolhia
Branco ou preto
Na escuridão
Todos nós éramos humanos
Toda voz se podia ouvir
Todos que estavam ali
Tinham a mesma porção
De lágrimas dentro de si
Na fonte de sua humanidade
Que ainda não havia se secado

E quando tudo ficou claro
Como o dia
Alguns brancos lívidos de vergonha
Nos deram as mãos
E nós choramos juntos
Por que em nós
Ainda que fosse só esperança
Ainda havia a fonte
A fé
A luta
Por um novo horizonte.

Renildo Borges

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