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sábado, 29 de dezembro de 2018

Quando todos os gatos são pardos


Me cercou devagar com seu olhar
moreno
sereno
depois com teu riso
extrovertido
convidativo
ai,ai de mim
piscologicamente
ou de improviso
brincando com minha libido
alimentou meu desejo
com teu cheiro
com teu sabor
que imaginava
que desejava
no inicio de longe
depois foi ficando perto
meu coração já aberto
você chegando bem perto
percebeu que era profundo
diferente desse mundo
do agora e sem depois
e com sua maluquice
ficou só na superfície
da minha cama macia
êxtase e selvageria
do jeito que ela pedia
somente naquele dia
e voltou para o seu mundo
onde a noite
todos os gatos são pardos
e eu era apenas mais um
Gato preto rejeitado
a atravessar teu caminho
cheio de superstição
no teu vazio coração
ou talvez um pouco além.



Renildo Borges

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Almanaque da Caatinga


Não acreditei num anjo de araque
de tanga e de fraque
que vai pra onde vou
talvez nem viesse
pra essa caatinga
que tem marimbondo
de chapéu,três por quatro...
de Janeiro a Janeiro
Mas não tem mandinga
e nem macumbeiro


Farofa e cachaça
galinha ou um bode
talvez umas frutas
na encruzilhada
pra uma alma penada
assim como eu
não faria mal
mesmo sem ter sal
que o diabo não gosta
de água e nem sede

Só fica na rede
vestido num terno
no centro do inferno
tramando armadilhas
pois nem tem mulher
aquele gaiato
que tem pé de pato
e um chifre esquisito
me disse Agapito
que foi de mulher

Não acreditei no tal
tranca rua
com a cara pra lua
só por que montava
o cavalo do cão
sela de pelúcia
cheio de astúcias
querendo assombrar
um cabra da peste
que vem do nordeste
montado na coragem
no pelo sem sela
com a febre amarela
do sol do sertão
pra essas paragens

Deixe de bobagens
que servo do cão
é anjo caído
se mata a grito
dando aleluia
orando um salmo
e meu olho calmo
te vendo cair
te vendo gritar
te vendo pedir
te vendo tremer
e temer
O esconderijo do Altíssimo
também é caatinga
também é cantiga
também é ter fé
me falou o anjo
agora tão santo
vestido num manto
comendo rapadura
com torresmo
na feira dos paraíbas
eu que diga!


Renildo Borges

Em algum lugar do passado


Não te pergunto sobre a minha morenice
nem meu sotaque baiano,minha poesia utópica...
que me deu você numa manhã de sol
onde todos os seus desejos foram possíveis
todas as suas vontades saciadas

mas invadi teu silêncio covarde
e escrevi em teu apagado riso
que ainda queima como a fogueira de São João
a paixão
antes de nascer a aurora
antes do espelho rir de mim
e contar aos passarinhos
que eu definho

Não te pergunto sobre teus cabelos loiros de fogo
sobre os teus olhos de azul gaúcho
hipnotizando os meus
que me escravizaram numa manhã de sol
onde sonhei acordado
o delírio de ter você
Mas me crucifiquei escrevendo
os teus passos para o adeus
sem sorriso ou saudade
naquela calada tarde
desejei morrer
enquanto andava em Porto Alegre
te procurando...
e testemunhou a aurora
minha tristeza sem ti
Traga para dentro de mim
tudo que se perdeu nos instantes.


Renildo Borges

Quando amanhece o homem


Saí do sereno menino!
isso faz mal ,
E eu olhando as estrelas
lá distante
como meu sonho de ser poeta
escrever coisas que passava
pela minha cabeça que corria
que corria
como o vento
ventania
por castelos,reis e rainhas

um dragão pra enfrentar
meu cachorro bom de faro
sempre pronto a me alertar
latiu, apontou o focinho
mostrando que vinha o sol
lá longe o arrebol
pintando as coisas de Deus
que a noite tinha pintado de negro
mas eu e a estrela dalva
continuávamos ali
contemplando o horizonte
de tantas possibilidades


Saí da chuva,menino
você vai ficar gripado!
E os raios cortando os céus
o ribombar dos trovões
pelos campos de capim Pangola
correndo de peito aberto pela chuva
eu e as criações de Deus
boi fumaça,ovelha linda
Laika a minha cadelinha
voltou pra debaixo do assoalho
chorando com um medo besta
E eu ouvindo Deus falar
para os homens que pensavam
que eram alguma coisa importante
Na enxurrada o pó do qual foi
feito o homem se desfazendo
como se desfaz o homem
como se desfaz a vida
árvores,animais e pedras
todos farelos do tempo

Menino,vá dormir!
amanhã tu tem escola
A ciência exata do homem
dez dividido por três
sempre sobrava um
um conselho de minha vó
"Seja sempre Deus verdadeiro
e todo homem mentiroso"
Está escrito no livro santo
calando a teoria dos homens
Big bang e a teoria da evolução...
A evolução é o amor
por tudo que nos cercam e gritam
diz me os olhos de tudo que me fitam
pelos caminhos que ando
tudo é belo
e nada é eterno
por que o mal do qual se vestem alguns homens
podem ser despidos
lavados
remidos

me cubro com o manto de lembranças de minha vó
e não consigo dormir pensando naquela pergunta
que ela me fazia sempre e nunca consegui responder
-Quanto custa um sorriso?
-Quanto custa um abraço?
-Quanto custa estender a mão?
Eu não sei!
Só sei da sensação maravilhosa que vem depois
de olhar nos olhos de quem é grato.


Renildo Borges

O Senhor das rosas


Me chamaram de senhor
Pelas bodegas da vida
Aquela gente sofrida
Comprando a falsa alegria
Num copo de agonia
No balcão da ilusão


Senhor? Ah! Eu não posso ser
Eu nada tenho nas mãos
Aprume a tua visão
Repare naquela rosa
Por entre as árvores frondosas
Senhor é quem a faz crescer
e dá também o perfume

Me chamaram de senhor
No escuro da madrugada
Aquele povo sem nada
Na mão a impalpável fé
Vendida por dez por cento
Do teu salário miséria
Por uma vaga no inferno
pra aquele que te cobrou
Por que no céu é de graça

Senhor? Ah! Eu não posso ser
Não sei entrar em tua mente
E plantar lá a semente
Pra que continue inocente
Sem conhecer esse lado
Da cobiça, sexo e vinho
Que erguem pelos caminhos
Onde pousam os passarinhos
Desavisados das tramas
Para não voar jamais

Me chamaram de senhor
Numa sexta feira negra
Manchando a santa inventada
Na procissão da cobiça
Me estendendo a mão aflita
Por inúteis cacarecos
Me fazendo de boneco
Num circo mambembe e caro
Cujo dono salafrário
Eu juro nem sei quem é

Senhor? Ah! Eu não posso ser
Por que seu fosse senhor
Montaria em minha ira
e mataria o egoísmo
antes dele ser menino
antes dele ser adulto
pra não corromper o justo
transformando em falso astuto
que compra a morte a prestação.
Diga não!


Renildo Borges

Rio da Serra


Amanhã pertence ao mundo
o que eu tenho é só o agora
meu olhar derramado
sobre a noite longe
e a palavra dita:-Volta!
se perdeu na madrugada
e calou-me por tão longos anos


Uma palavra no vento solto
Eu espero no tempo calado
As bocas costuradas de silêncio
As cartas as traças comeram
Na rua do passado eu sento
na varanda da minha lembrança
E lá está minha avó fabulosa
E nós ouvindo sua prosa
Até o escuro da noite
Quando cantava o bacural

No embornal da infância
Tantas histórias guardei
Caminho pela mesma rua...
sozinho
minhas mãos vazias
sem as tuas
meu peito cheio de sonhos
mas só o silêncio
presta atenção na minha chegada
e por dentro de mim
o choro
do menino
assassinado
pelo tempo
carregado de ilusão


Renildo Borges

Ainda


“Quando disseram que tu vinhas
Alguma coisa modificou em mim
O dia ficou mais bonito e claro
As flores pareciam exalar mais perfumes
No reflexo do riacho onde levei as cinzas
de uma longa saudade no meu rosto
eu pude ver no meu olhar que ainda te amava.”



Renildo Borges

Libertas quae sera tamen



Tu me deste a tua cor
Como a noite sem estrelas
Mas me mostrou desde cedo
Lá fora pelos campos
Pelas montanhas
Correndo como um menino
A palavra liberdade


Tu me deste a tua cor
Era tudo que tu tinhas
Teus lábios grossos
Tua língua Banto
E o cabelo carapinha
Olha lá a liberdade
No canto do passarinho
Olha lá a liberdade
No voo da andorinha
Me falavas
Me falavas
Bem baixinho a meu ouvido

Lá fora o medo rondava
Com a covardia na mão
Sem aquela espingarda
Não seria homem não


Renildo Borges

Quando encontro a ilusão




Nada é santo
Meu poema acordou de manhã
Sujo de cinzas de amores
cuspindo um verbo encardido
em pétalas murchas de flores

Meu poema correu pela tarde
suja de vento de sangue

Nada é santo!
Quando eu perco o equilíbrio
E me atiro a ilusão...
E o espanto!
Quando alguém recolhe
Meus cacos pelo chão
E me remenda com seu sorriso...

Nada é sagrado!
Quando danço um fado
com a fada que invento
pra fugir da verdade
que queima,
que arde
por entre suas coxas
minha língua
em sua boca.

Tudo é lembrança
No verbo encardido
De tanto ser repetido
De tanto ser vai e vem
De tanto ser de ninguém
De tanto ser bálsamo e dor
De tanto querer ser amor.


Renildo Borges

Ausência


A noite
Eu bebo ausências
Invento amores
Danço em madrugadas
Ao som da desilusão
E quando amanhece
E o dia me veste
De tão mortas horas


Eu quero ir embora
Para o infinito
Montado num grito
Que grita no fundo
Da ansiedade
Mentira ou verdade
Servidas na mesa
Dessa coisa acesa
Que dizem ser vida
Faço sexo com fantasmas
Que nem sabem que existo.



Renildo Borges

O gosto de tudo



Eu não coleciono corpos ou rostos
Mas o jeito que você me ama
Nas ruas
Com palavras nuas
Nas noites
com seus sonhos mortos
Nos bares
Toda paciência
Na igrejas
com seus anjos tortos


Eu não coleciono palavras ditas
Com desespero
Com destempero e aflita
Com paciência e desdita
Onde o amor nunca fica
Não é seu corpo
Seu rosto
O só nós dois
O exposto
Mas em minha boca
O gosto.


Renildo Borges

Moulin Rouge



Acordo de madrugada
Com vontade de voar
Pra longe dessa gritaria
Das horas de agonia
Que grita a vida que passa
Com malas abarrotadas
De mentiras
E palavrões
E a Fome
É quem mais esperneia
Sendo ela minha ou alheia
Negociando a virtude
Xoxota por um pastel
Grita a vida que é puta
Bem na porta do bordel
Que os tolos chamam de mundo
E pagam seu preço imundo


Acordo de madrugada
Com vontade de matar
O vício que me vendeu
Pra uma mulher que tinha dinheiro
Wisque,cigarros,cachaça
tchaca tchaca na butchaca
ciúmes e outras drogas
se sentindo poderosa
me escravizou até ontem
meio dia o sol a pino
o enterro e eu fingindo
que era doce a vida
e o reflexo de mim
estava além do jardim

acordo de madrugada
silêncio da passarada
toda as mentiras guardadas
e então eu vou com o vento
afinal eu sou poeira
como os sem eira nem beira
que me acompanham na jornada
e acordam de madrugada
e pagam o preço da vida
colorindo os tons de cinza
antes de voltar ao pó


Renildo Borges

Adágio


As horas voaram
Mesmo sendo a pressa
Inimiga da perfeição
Mas eu não sou besta não
Fui com ela pro sertão
Se fosse a pé eu nem sei
Se chegava ainda vivo
Afinal seguro morreu de velho
Me dizia a minha vó
Só que nunca me contou
Onde estava enterrado
Pra mim fazer uma visita
Pelo dia de finados

E estava ao deus dará
Todo aquele legado


Mas mentira tem perna curta
E o silêncio foi quebrado
Para bom entendedor
Meia palavra basta
Mas um escreveu e
não leu e a macaíba comeu
bem na boquinha da noite
quem cochicha o rabo espicha
mas é melhor cochichar
pois todo mato tem olho e paredes tem ouvidos
me falou de improviso um cantador do sertão
rapadura é sempre doce mas nunca foi mole não
mas me digas com quem andas pra mim ver se vou contigo
afinal as nuvens são como chefe,quando desaparecem o dia fica lindo.


Renildo Borges

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Rosa dos ventos


Você me quer?
Parece-me que esse teu olhar,
sempre me diz sim
Se quer,não me traga
rosas incompletas
sem os seus espinhos
retiradas cuidadosamente
para desviar nossa
atenção do cuidado
ao se tocar numa rosa
em seu jardim de sonhos


Você me quer?
Se quer lembre-se
que já fui usada
que abri a porta,
que entraram em mim
que levou com ele
todos os meus segredos
meu jeito
meu medo
que quebrou
os meus laços
minha aliança
toda confiança
que havia em mim

você me quer?
Se quer,vá pelo caminho
Que eu caminhei
Chame os passarinhos
Para te alegrar...
Você vai precisar
Ao ver minha dor
A falta de amor
E todo o horror
Que me impuseram
Só por que eu queria
Ser de um homem só
E um filho no colo
Para ele me ninar

Você me quer?
Se quer,ache
os meu pedaços
Pelas madrugadas
Sozinha e cansada
De tantas mentiras
E aquelas manchas
roxas de vergonha
de tanta covardia
se tiver coragem
para se arriscar
Clareie-as para mim

Você me quer?
Se quer,cole teu ouvido
no meu coração
E os restos de mim
traga em tuas mãos
Se tiver coragem
Junte devagar
Quem sabe tu mudas
Esse meu olhar
Mas vou te avisar
Verá cicatrizes
No fundo da minha alma
Quero apenas calma
Ainda me quer?
Sou Rosa dos ventos
Não de ventania
esperando apenas
o momento
Fique atento!


Renildo Borges

Todos as falanges do dedo que aponta


Me chamaram para brigar
Eu briguei
Por que a raiva era tanta
Uma maldita herança
A mesma negra no rio
Lavando para sinhô
Trabaiando e passando fome
Os muitos trabaiadô
botando di comer no cocho
dos porcos brancos de raça
que disputava a negra
que ia ser estuprada
E apanhei


Me chamaram para a guerra
Eu fui
Matei homens como eu
Filhos da mesma miséria
Alimentado por ódios
Pátria minha e outras asneiras
Mas o ditador homem branco
Que come a carne do fraco
Sentado em sua mesa farta
Não estava em minha mira
E morri

Me chamaram para amar
E amei
Era uma moça bonita
Em seu vestido de seda
verde,amarelo e azul
A família toda acesa
Berrando vou deserdar
Se você continuar
Com esse teu pé rapado
Ele é apenas um soldado
Teu pai é um general
Me dei mal

Me mandaram fazer promessa
E eu fiz
Promessa pra Sâo longuinho
Para abrir os meus caminhos
Um despacho com ebó
Me aconselhou a velha Filó
E andei em procissão
Um pastor me deu carão
Imagem é idolatria
E confirmou minha tia
Da assembleia do dízimo
Perita em cientologia
Creio em Deus pai
Ave Maria!
E nada

Me chamaram para ler
E eu li
Li tudo que veio a mão
histórias,charges,sermão
revistas,imprensa marrom
Os contos dos irmãos grimm
a Bíblia “Abel e Caim”
gibi,romance,catecismo
e também todos os imos
da hipocrisia humana
estendida no varal
da vida feito cordel
Mas nunca fui coronel
nessa longa vida ao léu.


Renildo Borges

Negro Dito de tal


Eu não sou
Nunca fui
Nunca serei
Não sei interpretar
Amanhãs
O papel queimou-se com vícios
Nos becos do Vidigal
Foi mal !
Em mim há muitos conflitos
Negro Dito de tal
É fulano
E o patrão soberano
Matando tudo que ele tinha
Igualdade ,amor e fraternidade
Guilhotinando a bondade 


Nunca lhe direi nada
Nesse palco de emboscada
Minha boca costurada
Por medo e não a covardia
Que tortura às madrugadas
Desfilando em Setembros negros
Seu ódio
Por que somos muitos
Porém desunidos

Eu não sou
Nunca fui
Nunca serei
A próxima carta marcada
Em cansadas madrugadas
Me escondo atrás de livros
E na rua de improviso
Aviso aos que foram condenados
Que a burguesia não morreu

Se sou palhaço? É claro!
Desde que me entendo por gente
Ou será que é por escravo
O que importa 13 de Maio
Um tapete estendido
Para quem rouba no peso
Na balança viciada
De uma injusta justiça
Num circo chamado Brasil

Não diga que nunca viu
E que também nunca riu
Do meu cansaço
Da dor
Da peleja no mormaço
Para ter comida no prato
Que come o filho meu
Do meu dia atravessado
Por teus olhares de eu sou
Sim ! Tu és
assim como eu
um passageiro do tempo
aguardando a qualquer momento
a morte para nos levar
talvez eu vá para um lugar
você eu não sei dizer
só dirão: Quem é você?


Renildo Borges.

Lá, onde passou o vento


De onde vem vento?
Passaste pelas caatingas nordestinas
Onde a beleza das moças não combina
Com a plantação murcha
O gado magro
As cacimbas secas
E as beatas orando
Pra São Luís Gonzaga
Com muita esperança
Sem nenhuma mágoa

Viu por lá minha Tereza
Cabocla bonita
Da cintura fina
E com o sorriso largo
Deu-lhe um afago?

Aqui nessa cidade de pedra
Vou construindo ilusão
Nessas manhãs tão frias
E quente o meu coração
Aprendi a fazer casas
Vazias como algumas mesas
Nas favelas
Nas baixadas
Pelos trens de madrugada
só queria a minha amada
Lá,onde passou o vento

De onde vem vento?
Passaste pelo sertão
Onde a cabocla brejeira
Mesmo que segunda feira
Depois de carpir roçado
Ainda é bela e tem cheiro
Da chuva no chão em Janeiro
Também andou nas cozinhas
E destampou as panelas
Sentindo o cheiro de doces
Do bolo de milho na panela
De ferro coberta por frande
E a s brasas espalhadas por cima
Lá fora o leite coalhando
Tuíca, a porquinha olhando
Com aqueles olhos espichados
Pensando no soro da coalhada no cocho

De onde vem vento?
Passaste lá nas aldeias
E viu Jurema dançar
No cerrado a borboleta
Pouco tempo pra voar
Os ribeirinhos em canoas
Saindo para pescar
Os quilombolas,
os quilombos
O tombo
Nos pampas gaúcho
Os escombros
De tudo que foi liberdade
Ainda somos escravos???


Renildo Borges

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Quando o amor fala mais alto


Eu amo pessoas e não o que elas são
Nem o que elas fazem
Pessoas não são livros que lemos
e dizemos Se é bom ou ruim
todo mundo tem segredos
todo mundo tem vergonha
de um palavra dita
de um beijo que não devia
de transar quando não podia
de querer voltar atrás
passar uma borracha naquilo
um amigo que ligou
por que algo nele estava doendo
mas você não deu a mínima
e foi logo desligando
uma mancha na consciência
que bate de madrugada
à porta da sua lembrança
e fica a noite toda
perguntando se sabemos o que é amor



Eu amo pessoas e não o que elas são
Nem o que elas fazem
Pessoas não são filmes
Que lemos a sinopse e aí decidimos
Se queremos ver ou não
Pessoas a gente encontra
Senta e conversa um minuto ou uma hora
mas logo vem compromisso e nos leva sem demora
e por dentro aquela vontade de nunca mais ir embora
não por que é uma moça ou moço bonito
aquela barba por fazer
o jeito descontraído tão bonito
esbelto , escultural
que a libido se assanha
e fica cheio de manha,
tramando , armando , querendo...
Mas porque aquilo foi bom,
aquela conversa, aquele sorriso,
a gentileza dentro daquela blusa e de fora o umbigo
e os cabelos soltos aos ventos dançando de improviso
aquela coisa estranha invadindo a gente
acelerando o coração e os olhos perdidos nela
e como pesa dizer adeus nessas cidades imensas
o risco de nunca mais ver
vontade doida de perguntar o email
o fone ou celular
pra não perder o contato
não sabemos se é casada
se tem compromisso ou se gosta de outra menina
ou de outro menino
nesse momento não há julgamento
não há preconceito
tudo junto ou misturado
o amor é desse jeito
por que o amor não desconfia de nada
é ridículo,cafona,como aqueles letreiros
imensos nas cidades poluídas
se sobressaindo com aquele vermelho gritante
dentre a fumaça da fraqueza humana
e avisa que estamos apaixonados
só isso.


Renildo Borges

O perigo das palavras


Se eu pudesse mudar o mundo apenas com palavras
Diria “tempo bom” e lá se ia a chuva e brilharia o sol
Então eu sairia para minha inutilidade costumeira
passear com meu cachorro,jogar dama numa mesa da praça
andar traquilamente com meu celular ligado,trombando gente,
poste e outras coisas que tivessem pela frente
e quando batesse aquela fome
veria que todas as árvores os seus frutos
e suas flores haviam morrido de sede


Se eu pudesse mudar o mundo só com palavras
Diria ao meu inimigo “morra” e lá estava ele estirado
No chão da minha desumanidade e mais tarde
Quando me batesse o arrependimento
Eu só teria o vento da tristeza a beijar-me o rosto
secando assim as minhas lágrimas

Se eu pudesse mudar o mundo só com palavras
Diria “comida” e lá estava comida para todo mundo
Ninguém levantando as 4 da manhã,não haveria trens ,
metros ou ônibus lotados,nem engarrafamentos
E todos morreriam com suas veias entupidas de gordura
Por falta de exercícios e os consultórios psiquiátricos
E psicológicos ficariam lotados de pessoas inúteis
Que não saberiam dizer para que elas servem

Se eu pudesse mudar o mundo só com palavras
Diria “vida sempre” e viveríamos para sempre
Até que nos amontoassem uns sobre os outros
Por falta de espaço nesse mundo tão pequeno
Conectado pela world wide web e lá íamos nós
Ver se em marte também se planta mandioca

Se eu pudesse mudar o mundo só com palavras
Diria “me ame” e roboticamente ela me amaria
Toda noite,todo dia... até que aquilo nos enchesse o saco
E então mudaríamos a programação para "stand by"
e se perdêssemos a paciência durante esse tempo
programaríamos para “me odeie”
Mas acho que a palavra ainda pode apertar o play
da sensibilidade humana,por isso escrevo poesias
emotivas,raivosas,amorosas,religiosas
e até algumas onde eu posso matar o burguês
Quem sabe alguém me ame por que sou poeta
e posso tudo através das palavras
ou talvez me odeie,afinal a palavra sempre
foi uma coisa muito perigosa
pois quando "o verbo se fez carne"
e habitou entre nós,nós o matamos.


Renildo Borges

Na feira do bicho homem


Não me pretendo
Por que tudo que espero
É mero
Morre como morre o dia
E outras tantas fantasias
Que cria o homem iludido
Com pecado e sem castigo
Cria seu próprio perigo
Negociando o ódio e a fome
“Um homem com fome mata
Um homem com ódio é bicho”


Antes do meu riso barato
Sem motivo e sem razão
Fui lá fora ver se podia
O mendigo da esquina disse não
Os meninos dormindo num papelão
Uma moça abortando a ilusão
De comprar do traficante
A falsa solução
Um outro estendeu-me a mão
Dei minha alma vazia de alegria
Mas cheia de enorme frustração

Ele tirou os pecados
e minha covardia absoluta
De não comprar nenhum quilo
daquela fome
Na feira do bicho homem
Tirou as tantas vazias desculpas
e a desumanidade para não dar azia
Tentou assá-la no fogo do inferno
Criado pela ganância humana
E riu o pobre diabo
De mim maldito coitado
Olhando aquele homem vazio
Com um rosário na mão e sem meta
Com minha alma não pôde fazer uma festa
Naquela manhã tão funesta.


Renildo Borges

Se me chamar de cachorro...Eu mordo sua boca.


Aquela moça do Sul
Gaúcha
Barriga verde
Curitibana
Bacana
Podia matar minha sede
Em Umuarama uma cama
Churrasco em Santa Maria
Podia ser qualquer dia
Só pra beber teu olhar
Tão profundo como o mar
Por favor diga: Vem cá!


Aquela moça paulista
Que sempre quis ser artista
No coração do poeta
Já pode fazer a festa
Vim aqui só pra te ver
Sentir teu cheiro,tua pele
Respiração ofegante...
Ah moça pernambucana
Não esqueci a baiana
Com gosto de acarajé
Desculpe essa minha sina
Três moças de Teresina
Que me mandaram um bilhete
Intimando pra casar

Melhor é eu escapar
Me esconder em Fortaleza
Nos braços de Iracema
Essa tão bela morena
Do que morrer de amor
Pelas ruas de Recife
Olhando essa moça triste
Que veio de Mato Grosso
Só pra ver o alvoroço
Do carnaval carioca
Uma mulata suada
Malandra como ela só
Me falou de madrugada
Que era de Maceió
Mistura de um paraense
Com uma moça capixaba

E corria a madrugada
Fui correndo pra Belô
Ver a moça que falou
Que por lá o trem é bão
E era bão pra mais de metro
Não quero cantar de galo
Por que vim de Aracajú
Nem por que tomei um caldo
Daquele tal sururú
E suei a noite inteira
Nos braços de uma mineira

Sei que um dia eu morro disso
Mesmo sem ter compromisso
Mas ainda é Sexta feira
Quem sabe ainda dá tempo
Se eu correr como o vento
Pra feira dos paraíbas
Onde marquei um encontro
Com uma moça de Manaus
Na maior cara de pau
Vou pedir pra ver se ela me leva
Pra ver as moças ribeirinhas
De Rondônia ao Amapá
Eu com a pele toda rosa
De um boto tucuxí
Não quero nem imaginar
Nem vou escrever aqui
no que isso vai dar

Ah! Isso aqui é Brasil
Cheio de mulher bonita
Com ou sem laço de fita
Ou com pé maior que o meu
Afinal nunca fui santo
Muito menos fui ateu
Mas ando de léguas em léguas
farejando um cheiro seu.


Renildo Borges

Ainda sobre ele



Fui lá fora pra ser eu
Sem aqueles abraços teus
Que cercava a liberdade
Perguntando onde é que fui
Com quem falei
Quem é Pedro
Sempre jogando um verde
E aquele olhar como rede
Pra pegar uma traição
Apenas distanciava
Você do meu coração
Mas não sei se é verdade
Por que lá pelo fim da tarde
Minha saudade na janela
Fica sempre te esperando



Fui lá fora pra ser eu
Ir pra praia de biquíni
Sem aval ou aprovação
Sem o seu sim
Ou seu não
Na sexta feira
Num bar
Depois umas e outras
Uma dessas amigas loucas:
- Vi o teu gostoso amor
E como foi tentador
Aquele corpo moreno...
Não deu para aguentar
Foi aquele bafafá...
E me mordia o ciúme
Dos lábios dele
Do olhar
Do vai e vem
A me excitar
Vontade de me matar
Nas madrugadas vazias
Como a liberdade é fria.


Renildo Borges

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Um All Star ou Coca Cola e meia garrafa de tequila


Você foi embora por que eu não disse
Eu te amo?
Sabe! Pensei muito em dizer isso diversas vezes
Quando você ficava calada ao meu lado
Com sua mão suave a deslizar pelo meu rosto
ou quando você trazia um pedaço
de alguma coisa mordida
por que só tinha aquela
e você não queria comer sozinha
E eu desembrulhava aqueles papeis
"que sabe lá Deus onde você achou"
De cores vibrantes como os seus belos olhos
E comia por que naquela coisa qualquer mordida
também tinha o gosto da sua boca


Você foi embora
Por que eu preferia ficar em casa com você
Ao invés de sair por aí enfrentando filas de cinemas,
filas pra comprar uma pizza , um sorvete e o engarrafamento
que devorava as nossas horas
enquanto eu preferia ficar “só “com você

E as suas amigas?
Você me apresentava a elas de um jeito muito especial
Eu percebia em teus olhos a satisfação , o prazer de
Dizer: -Esse é meu namorado!
Você também fuzilava com o teu olhar aquelas que você
de longe suspeitasse ter algum interesse em mim
mas com uma elegância que nenhum traço do seu rosto se modificava
Você dizia que eu ficaria bem de rosa , mas nunca comprou
nenhuma roupa rosa pra mim , por que sabia que eu não usaria
Eu queria que você descesse ,ao menos uma vez , quando saíssemos,
daqueles teu saltos altos e dessa tua elegância ofuscante
Que apaga a lucidez de alguns homens, que juro, tinha vontade de espancar ,
só pela ousadia de ter te olhado
e vestisse uma jeans surrada ,uma camiseta qualquer e um tênis all star
Mas nunca te pedi isso e você nem sabe

Sabe! Por todas essas coisas e outras que eu não disse aqui , por que é só nossa
Pensei que hão havia necessidade de dizermos (eu te amo)
Por isso nunca pedi que você dissesse
Um dia ela me ligou e disse: -Você transformou nosso amor num poema
publicou na sua página mas ainda não disse (Eu te amo)
Respondi: - Vem aqui que que eu te direi
Sabe! Ela veio mesmo! Trouxe uma garrafa de tequila pelo meio
Se desculpou de sua deselegância com sua jeans rasgada no joelho,da
sua camiseta com a legenda “Love me tender” e seu tênis da Coca Cola
pra fingir que não deu bola
Mas tenho medo de dizer (eu te amo) e ela ir embora
com essa beleza tão sua,mesmo ela tendo descido dos saltos.


Renildo Borges

Nos braços de Açucena


E lá vou eu Açucena
A vida é como um poema
Vou guardando na lembrança
A moça na estação
Um sorriso é o que basta
Para comigo viajar
Dentro do meu pensamento
Dentro do meu coração


E lá vou eu Açucena
Na estrofe do poema
Faço um amigo barato
Um que vale diamante
Conto os abraços
E os sorrisos
Jogo fora qualquer dor
Antes de chegar meio dia
Compro um prato de comida
Obrigado quem me guia

E lá vou eu Açucena
Por que a manhã é branca
E toda tarde morena
E a negra chega de noite
Me embala pra dormir
Manda que fiquem em silêncio
Pra ouvir o seu cantar
E é tão gostoso o seu canto
Acho que vem lá do mar

E lá eu Açucena
Numa viagem sem volta
Vou montado na coragem
Tenho horror a covardia
Pois tudo que cai levanta
já dizia a minha tia
até a fruta madura
é árvore em outro dia.


Renildo Borges

Cabresto


Eu vou com você
Pra você não ir sozinha
Com sua bolsa de mágoas
Com sua mala de dor
E cacos de alguma coisa
Que acreditava ser amor
Quem sabe precisará
De um riso mesmo forçado
De um pão de esperança
Ainda que esteja mofado 


Eu vou com você
Por que colocaram um muro
E cercaram todo o amor
Que já estava maduro
E a ponte que levava
Para qualquer horizonte
Foi por eles derrubada
Deixaram o hocus pocus
O plim plim... abacadabra
E semeiam a ignorância
Um cabresto e mais nada

Eu vou com você
Por que também veio comigo
Quando a margem era caminho
Quando tudo então era pedra
Minhas cicatrizes sangrando
Mas você estava ao lado
No seu silêncio orando
Para um Deus que conhecias
Feito de esperança e fé
Que ainda insiste em manter
Eu e você de pé
Para derrubar os muros.


Renildo Borges

No Raso da Catarina


O tempo pintando meus cabelos
De branco
Num banco de areia
Na beira do São Francisco
Me falou que tenho sorte
Muitos morrem antes dos trinta
E a sereia que anseia
Me mirava lá na areia
Me levar pra profundeza
Lá pro seu reino de morte
Fez beiço de desgostosa
Com rumo daquela prosa


Perguntei quanto lhe devo
O tempo disse é de graça
Lhe chamei pra uma cachaça
Ele não quis dei pro santo
Que tava bem lá no canto
Proseando com o cheiro
Que vinha lá da cozinha
Da venda do seu Amaro

Quando enfim anoiteceu
Me disseram vá com Deus
respondi vocês também
Mas já era madrugada
E lá na encruzilhada
Um cabra fedendo a enxofre
Feio parecendo o cão
Me falou Deus foi com eles
E deixou você na mão

Eu falei tente a sorte
Seu filho de chocadeira
E rolamos na poeira
Tabefes pra todo lado
Quando ele quis correr
Eu segurei pelo rabo
E o capeta zangado
Por fim pediu o penico
Me falou que foi sereia
Que armou o reboliço
Dizendo que eu estava sozinho
E viu que estava enganado
E que armado de espada
Tinha setenta ao meu lado

A mulher me sacudiu...
Tu tá brigando com quem?
E então olhei pro lado
E já não vi mais ninguém
Contei pra ela o sonho
Ela disse “Creio em Deus Pai”
Isso é coisa do outro mundo
Do reino de satanás
É melhor você rezá
Pra num sonhá nunca mais.


Renildo Borges

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Matutando...


Me traz um retrós de linha
Me falou de manhãzinha
Quando eu vinha para feira
Sei que ela também queria
Mas calada não dizia
Uma água de rosas
Uma alfazema
Um metro e meio de chita
Essa cabocla bonita
Que mora em meu coração


Mas meu suor vale pouco
Não arrepare seu moço
Só dá pra comprar farinha
Um quilo de carne com osso
250 gramas de café
Rapadura pra adoçar
E se sobrar compro fumo
Pra mode fazer rapé
O resto tem lá na roça
Tu sabe como é que é

A cabocla de quem falo
Tinha muitos pretendentes
Mas como amor não escolhe
Ficou comigo somente
Sei que dia menos dia
Lá no chiqueiro a leitoada
No terreiro a pintaiada
Vão crescer e então eu vendo

Lá pelo mês de Dezembro
Trago pra ela um vestido
Água de cheiro num vidro
Uma tiara pro cabelo
Uma sandália rasteira
Trançadinha,bem bonita
Vou matutando na estrada
Tomara que chegue logo
Pra mim ganhar um sorriso
E um cheiro no cangote.


Renildo Borges

Contemplação


Dizem: A vida é passageira!
Ai meu Deus! Quanta besteira
A vida não é brincadeira
E o passageiro sou eu

Pagando um bilhete caro
Nesse estranho itinerário
Pra ir e não voltar mais


Não sei o fim da viagem
Quem virá até o fim
Faço preces e lamentos
Para o dono do dia
e do tempo
Que tem tudo anotado
O preço, o juro final
Quem desce na próxima estação
e os que seguem adiante

Pudesse se eu merecer
Ah ! Que bom se eu e ela
De mãos dadas e olhos fundos
De tanto olhar o mundo
Chegasse juntos ao final

O tempo comeu a beleza
E as curvas de sobremesa
Da minha musa infinita
Mas não tua voz macia
Que ainda me acaricia
Dizendo:-Vem meu amor
Ainda não acabou
Olhe lá a primavera
E aquela moça tão bela
É nossa neta na janela
Pedaços de mim e ti.


Renildo Borges

O Deus de toda a humanidade (Jeremias 32:27)


Quem é o viado da Tiradentes?
É meu irmão!
A prostituta indecente da Central...é minha irmã
Os travestis dos arcos da lapa...é meu irmão
O batedor de carteiras...é meu irmão
O PM que regula a lei...é meu irmão
O juiz que não cumpre a lei...é meu irmão
O velho frade franciscano...é meu irmão
O padre dominicano...é meu irmão
O pastor gordo de dízimo...é meu irmão
O que causa confusão...é meu irmão
O babalorixá do terreiro...é meu irmão
O pinguço no boteco...é meu irmão
O camelô vendendo cacarecos...é meu irmão
Todos os gays das paradas...é meu irmão


Não sei qual é seu pecado
Não sou eu Deus nem Diabo
Pra te julgar sem defesa
Lá fora a fogueira acesa
Dos covardes seculares...

O negrinho carvoeiro...é meu irmão
A mulher que é mal amada...é minha irmã
Os cornos das madrugadas...é meu irmão
Os viciados,os maconheiros...é meu irmão
O safado que pichou meu muro...é meu irmão
A moça que fez um aborto...é minha irmã
A moça virgem no altar...é minha irmã
O arrogante em Paris...é meu irmão
Quem me estende a mão...é meu irmão
Os que sonegam o pão...é meu irmão
Quem se mata as madrugadas...é meu irmão
Os que matam por dinheiro e desfilam em
Fevereiro...é meu irmão
O preto,o branco e o índio...é meu irmão
O mulato,o pardo,o cafuzo...é meu irmão
Os que mudaram de sexo...é meu irmão

Lembrem-se do livre arbítrio
Que instaurou o Altíssimo
no ato da formação
Mas sempre passa as altas horas
em noites frias de inverno
Alguém falando de inferno
E que Deus não é pai de toda humanidade.


Renildo Borges

sexta-feira, 27 de julho de 2018

O canto da maritaca.


Quem matou o lavrador?
De fome...
Foi seu dotô
Aquele que tinha mais terra
Aquele que era sinhô
Primeiro desviou o rio
Fez um açude bonito
Pra seus filhos se banhar
Os sitiantes de baixo
Que não tinha espingarda
Nenhuma a mão alugada
Vendeu pra dotô por nada


Mas se venderam por nada
Não era melhor ter pegado a estrada
Ir pra outras redondezas
pra botar o pão na mesa?
Quase todos foram embora
só não foi o Zé da Hora
cabra de opinião
rezinguento feito o cão
poucas palavras na boca
mais de dez pedras na mão
e o ódio no coração

Mas seu moço se avexe
que pouca é minha demora
conte logo toda história
para mim ir logo embora
comprar fumo de Arapiraca
e uma garrafa de Pitú
antes que cante a lambú
no roçado que me espera
Pois bem! Fumo e cachaça
tem alí nesse girau
não me faça carnaval
deixe eu contar minha história
do jeito que sei contar

Seu moço o fazendeiro
quando soube que Zé da Hora
não tinha também ido embora
ficou muito caipora
chamou no terreiro os capangas
e exigiu a cabeça de da Hora
os homens mesmo com armas
se amofinaram e disseram
mas patrão aquele cabra
não é um sujeito qualquer
né melhor um pistoleiro
lá das bandas de Sergipe?

E morreram um a um
sem haver muita demora
nas armadilhas noturnas
que fazia Zé da Hora
(Mas seu moço é assim
sem o tin tin por tin
de como morreram os cabras
aquela gente ruim)
Que cabra mais abestado
me pede é sem demora
agora fica de arenga
sem pressa de ir embora
acho que isso é preguiça
de ir pro roçado agora

Por último foi o patrão
bem na ponta da peixeira
não sei se Segunda feira
por que Domingo era santo
ali na casagrande no canto
onde tem negro rosário
que não protege os covardes

Mas seu moço,se Zé da Hora
matou todos da casagrande!
Quem foi que morreu de fome?
Foi os cabras sem coragem
que com o rabo entre as pernas
se perderam no sertão
Num sol de 40 graus
Sem ter água na cabaça
sem nada no embornal
nem sequer uma rapadura
e nem carne de fumeiro
não levou o mês inteiro
para cair um por um
quem contou foi maritaca
bicho que fala feito gente
na venda de seu Clemente
onde se reúne,caçadores
pescadores e outros mentirosos.
Inté!


Renildo Borges

No reino fantástico da besta fubana


Quando eu era pé de cana
Culpei a besta fubana
Em cada esquina um botequim
Onde sempre me plugava
a cachaça,vodka ou gim
Em mim rolava uns downloads
Coisa de mente esquisita
Pensava na minha vizinha
Que era boa pra chuchu
Até gostava de uns dedos de prosa
Com aquele cheiro de rosas
Mas a coragem cadê?


Quando troquei o botequim pela igreja
Glória a Deus! Louvado seja...
Andei um tanto em conflito
Com um cabra chamado vício
Tinha problema de vista
E a vizinha bonita
De repente ficou feia
Já não era mais sereia
Achei aquilo esquisito
Perguntei ao lazarento
Que me causava tormento

Na esquina do pecado
O dito cujo
Me ofereceu maconha
Não gostei achei estranha
“Óleo de soja ou banha
Pra dedetizar a aranha”
Que diabos eu com isso?
Mas será o Benedito!
Uma mulher cheio de manha
Se contorcendo lá longe
Me apareceu um monge
Do Tibete ou Cochinchina
No Raso da Catarina
Exorcizando meu carma

Quando não queria isso
nem aquilo
Fui hippie cheio de grilo
Encontrei besta fubana
Nem me lembro qual semana
Por que eu nunca fui lá
No tremendo bafafá
Que fez a morte e a vida
Numa Sexta-feira santa
E me chamaram de anta
Só por que o almoço e a janta
Foi um porco chauvinista.


Renildo Borges

Muito além do jardim.


Tinha três laços de fitas
Aquela moça bonita
Tinha belos olhos claros
A noite caindo o orvalho
Tinha uma cruz no pescoço
Mas só pensava no moço
Pelo mar da ilusão
Ele segurando sua mão
Enquanto a noite chegava
E um jardim de estrelas
A ela ainda avisava
"Ó estrela da manhã..."
Depois a mão entre as coxas...
E se perdia a moça
Pensando nas madrugadas


Nas poesias que lia
Pelas madrugadas frias
Roubou sonhos e amores
Brigou por causa das dores
Da traição do seu homem
Que amava, que queria
Na chuva fina de Maio
Numa rua em Lisboa
Cabelos ,unhas e mordidas
Pois não era moça à toa
No pescoço ainda a cruz
E o vento sussurrando:
Sai das trevas,vem pra luz!

Quando a lua ia alta
Seu corpo só sobre a cama
E nele aquela vontade
mais forte que o seu não
Fechou os olhos e sonhou
com teu amor roubado
"lá fora tocavam um fado
falando de amores outros"
A cruz ainda no pescoço
teu corpo entregue ao moço
o doce sabor do pecado
No silêncio dobram os sinos
acordou apavorada
com a umidade entre as coxas
no convento das Carmelitas
sem os três laços de fitas
aquela moça bonita.


Renildo Borges

O vestígio do dia


O dia me pede desculpas
Como se fosse o culpado
Das pedras, distâncias e espinhos
Clareia o meu escuro caminho
E as horas que comigo caminha
Anota tudo em minha lembrança


Eu, um livro escrito por muitas mãos
Negras,brancas e eu mulato
E a maldição de não poder ser feliz
Apenas por eu sozinho
"dependo do seu sorriso"
Por um estreito caminho
onde aprendi a amar
Os rostos feios e os belos
Os quase que sempre inventam
Abrindo a porta do inferno
Da dúvida que há em mim
O desigual e o paralelo
O que é calmo, o aflito
A paz que apaga o conflito
O distante e o achegado
Às claras e o reservado
Os limpos e os com pecados

Mas não sei escrever pelo chão
Enquanto a pergunta afasta
Os que fazem as madrugadas
Pactos com a escuridão
Mas você me atira a primeira pedra
E atinge meu peito aberto
Sem segredos,sem reservas
Nenhum voto de minerva
Com tua roupa tão limpa
Cobrindo tua escura alma

O sangue negro... amarelo
Branco...vermelho carmim
Começa a apagar em mim
O que escreveram as horas
Todas palavras guardadas
Sem seleção ou critério
Eu na porta do inferno
Sem poder provar que sou
Só o vestígio do dia


Renildo Borges

O norte da bússola dos homens.


Não estou desnorteado
A luz vem do oriente
Limpa é a tua claridade
E não há mancha indecente


Não estou desnorteado
Não matei os filhos meus
Não sou um desnaturado
Fingindo o que não sou eu

Não estou desnorteado
Suas mentiras se tornaram canções
Em mentes cauterizadas
Que comem ventos e ilusões

Não estou desnorteado
Um livro em mim fala só
Sobre a natureza das coisas
Sobre o início e o pó

Não estou desnorteado
Ai dos que fazem
do escuro claro
E do errado
o certo
Não sabem o poder das palavras

A noite seguirei estrelas
Quem sabe me levará ao Rei
Que me dirá a verdade
Sobre coisas que não sei
Não estou desnorteado...


Renildo Borges

Quatá - São Paulo 1968


Quando eu era menino
todos os medos que eu tinha
meu pai levava nos bolsos
e se algum deles fosse esquecido
por um descuido do meu cuidadoso pai
mamãe estava sempre por perto
e também meu cão de guarda
Duque era um cãozinho sem rabo
branquinho com três manchas pretas
Ai ,que dó!
Algum estabanado havia lhe cortado
não sei bem quem foi
mas era valente como ele só
Um dia defendendo o galinheiro
de um ouriço que gostava de comer ovos
ficou todo estropiado
Mamãe tirando-lhe os espinhos
espalhado pela cara dizia:
-Não precisava brigar! Era só latir que eu
dava umas boas vassouradas naquele ladrão de ovos!


Quando eu era menino
as onze horas mamãe me entregava
uma marmita muito bem embalada num
pano de prato com uns desenhos bonitos
que mamãe bordava
mas sempre escapava aquele cheiro
que me dava água na boca
mandava também uma garrafa de café
mas não era uma garrafa como as de agora
cheio disso ou daquilo,era uma garrafa de vidro
comum,com uma rolha de cortiça
pra não derramar
mandava também uma broa
ou um pedaço de bolo de milho
para a merenda das três horas
e lá ia eu pelos caminhos da roça
levando o almoço do meu pai

As vezes me demorava prestando
atenção numa borboleta bonita
num pássaro à cantar
em Duque,que as vezes
corria atrás de algum bicho
e se embrenhava pelo mato adentro
nos peixinhos do riacho
que corria bravamente
por entre as pedras e troncos
sempre em direção ao mar

Quando chegava finalmente ao meu destino
lá estava meu pai com seu chapéu de palha na cabeça
quebrando um pouco o sol a pino do meio dia
na sua labuta diária
em seu rosto queimado ,quase preto
seus olhos cansados me divisou
e seu sorriso se abriu
entreguei a ele o seu pão de cada dia
que alguém acima de nós nos permitia
e como era bonito o meu pai.


Renildo Borges

quarta-feira, 4 de julho de 2018

Quando explode a paciência.


Me apontou o dedo e julgou
Como se nunca tivesse errado
Suas palavras rasgaram como aço
As comportas do meu olhar espantado
As lágrimas correram como um rio
Por entre os sulcos aberto pelas intempéries dos anos
Estampado em meu rosto
Por não saber por onde você andou
Em tantas frias madrugadas



Revirei em algum canto da minha memória
E achei entre os conselhos esquecidos
“Setenta vezes sete perdoarás”
Mas você não conhecia o perdão
Se vestiu de vingança
E me apontou a porta da rua
Mesmo eu tendo te perdoado tantas vezes


Olhei mais uma vez para trás
E vi meu carinho
Meu capricho
Por entre as coisas bem arrumadas
Apenas esperando que um dia você me amasse
As pequenas rosas nos vasos nas janelas
Ainda me olharam como se pedissem desculpas


E obedecendo mais uma vez a minha doce mãe
Por que sou obediente
me ergui com porte e elegância
e calmamente contemplei feliz
os teus olhos cheio de ódio
Por eu ter espancado aquela cadela
que nunca lavou sua roupa
nunca fez o teu almoço ou jantar
muito menos pariu algum filho teu


Por fim eu havia despertado algo em você
depois de tantos anos
e não foi o meu corpo surrado
do batente
da labuta
mas de uma sensualidade sem tamanho
que eu como cega sempre entreguei a você
Recolhi acanhada um pequeno sorriso
que insistia em florir em meus lábios tímidos
e fui lá fora procurar um amor
por que os pássaros já cantavam.


Renildo Borges

Praculá,onde bate o sol.


Fazer amor é pra quem vomita pérolas
Aqui nois fala é transar
Por que tem a cor do sol
Por que tem cheiro de mar

Dizer eu te amo é pra quem confia em palavras
aqui nois nem precisa falar
sentimos o gosto um do outro
na saliva
no beijar
e assim nois temperamo
pra mais gostoso ficar

flertar é muito bonito pra quem vem de Araribá
nois aqui chama na xinxa
se a caboca deixar
mas sempre escondidinho
pra não dar o que falar

nois num é nada grosseiro
pergunte as moças que vem passear
pelas praias nordestinas
se elas querem voltar
Nois num sabe muito de letra
Mas de moça
Ah,...Vamos praculá?


Renildo Borges

O arremedo e o medo.


Se meu coração fosse aberto
e todos pudessem ver
o que há dentro dele
se aproximariam com medo
e por certo chorariam
Chorariam como eu chorei
quando vi o pequeno menino
como um sorriso na cara suja
sem medo do amanhã
por ele não saber o que é


Quando olharem para o fraco
sendo espancado pelo enorme egoísmo
Quando verem a fome ceifar vidas
em Áfricas Sul Americanas
Quando verem os sem estudo
sendo explorado pelo que fala “correto”
Quando verem os sem casa
nas ruas que nós passamos
Ignorando...
Quando verem os sem pai
pois mãe todo mundo teve
em um momento qualquer da vida
mas e os sem irmãos?
jogados no mundo como bastardos
pois nós decidimos que Deus não é o pai deles
por isso vivem por aí sem amor...
Afinal “Deus é amor” e nós um arremedo disso



E então serão como eu
e vagarão como minhas indagações
sobre esse mundo imundo


Se pudessem ver a dor invisível
que me espanca como se eu fosse o culpado
por ser a esperança um ser abstrato tratante
que nunca aparece para provar que existe
Então só nos resta as hipóteses
Será?
Talvez!
Quem sabe!
E então se tonarão estéril como eu
sem lágrimas
sem perspectivas
ou vida
Pois nem a morte me acha interessante agora.


Renildo Borges

Descaso


Empurrei com ódio a lerdeza das horas
Que me separavam de ti
Xinguei a espera angustiante
Que ria de mim nas madrugadas
E sem pedir licença quebrei
O silêncio da escuridão
Gritando seu nome


O vento que dormia junto a brisa
Levantou-se enfurecido
Jogou a poeira do coração seco dela
Na minha cara tristonha
para secar as lágrimas que caíam
e se foi sacudindo as árvores
desalojando dos seus ninhos os pássaros
pela noite adentro

E quando amanheceu
A luz trancou dentro de mim a ilusão
Procurei no armário de suas promessas
A roupa adequada
e me vesti das mentiras que disseste
para cobrir a minha desnuda paixão
e fui por aí distribuindo tristezas.


Renildo Borges

Quando o canalha que há em mim fica de folga.


Queria lembrar teu nome
Mas a sujeira do sistema
E os meus negros pecados
encobriu-o por completo
Mas me lembro do seu rosto
naquela manhã cinzenta
o homem com a arma na mão
você pálida e sem ação
eu sem nada pra perder
resolvi foi me meter
uma paulada no covarde
sangue escorrendo da venta
nós escapando ligeiro
pela 2 de Fevereiro
Isso eu nunca esqueci


Não sei como percebeu
O medo nos olhos meus
Naquela cidade estranha
Sem saber para onde ir
Sem dinheiro
Sem trabalho
Num estranho itinerário
A passagem... morte e vida
O calendário contando
O tempo que me faltava
Pra fome mudar meu destino


Você tinha duas filhas
Todas belas e no cio
Eu um sujeito vadio
Morando de favor seu
Brigaram por minha causa
E me mandaram escolher
Eu escolhi te honrar
Matei as minhas vontades
em madrugadas febril
Seu rosto em meu pensamento
Vincado de tanta labuta
olhos fundos
e o sofrimento...
Viúva aos quarenta e poucos anos


Eu o filho que não tinhas
Para protege-la e as tuas filhas
De lobos pelo terreiro
Farejando o tempo inteiro
Cheiro de prazer e dor
Sexo e mais um pra sofrer
Difícil cargo me destes
No meu coração agreste
Eu também lobo silvestre
Num mundo de ladainhas
Lá fora todas as vizinhas
A quem não devias nada
Mariposas sussurrando
Pecados na escuridão
E estavam limpas as minhas mãos.


À Dona Glorinha-Barra Funda-Sampa/Dona Morena-Federação- Salvador/Dona Carolina-Praia de Atalaia-Aracajú.


Renildo Borges

Carpe diem

Aproveite o dia
Amanhã...
nem sei se estou
Só lembranças...
Pulando de mente
em mente
E eu ausente...
A vida é como o vento
Ventania...
Passa agora e quando volta
Calmaria...
Quero viver o que sou
Aprendiz ...
Perceber todas as nuances
Sutilezas...
Quero conversar com a vida
Ter beleza...
Um papo que leva horas
Pra ir embora
Para sempre eu sempre quis
Ser feliz...
Por não ser o dono do tempo
Ou momento...
O que é bom deixa saudades
Gosto de eternidade
Se eu errar
O beijo
A boca
A moça...
Beijo não mata ninguém
Pior é arrependimento
Do que já foi e está além
Amém!



Renildo Borges

Enterrei meu coração dentro do seu mais uma vez


É tão fácil dizer eu te amo
difícil é viver esse amor
-Esse bife tá salgado!
da forma que você falou
se levantou irritado
nunca mais trouxe uma flor


Contava os dias da semana
e no dia
as horas
pra te ver
quando te via
sorria
que gostoso
o que eu sentia
e quis para sempre você

Mas você já não me quer
mesmo vendo o meu esforço
para manter o meu corpo
para ser a sua mulher
nunca mais olhou minhas curvas
nem censurou minha blusa
nem uma palavra sequer

Ainda quero ser tua
e converso com a lua...
com os fantasmas que passam
"Será que ele tem outra?"
pelas noites...
pelos dias...
eu não quero ser Maria
a que sempre vai com as outras
eu quero beijar sua boca
com você dentro de mim

É tão fácil dizer eu te amo
difícil é ter que ir embora
e ficar contando as horas
de quando vem me buscar
e foi num dia tão feio
que tudo ficou bonito
"Ah meu Deus! Quase que grito"
seus lindos olhos no chão
por vergonha ou sedução
e como tremia sua mão
quando me pediu perdão
e eu enterrei meu coração
dentro do seu mais uma vez.


Renildo Borges

terça-feira, 5 de junho de 2018

Lá na casa de farinha


Um cabra escabreado
Num mundo de faz de conta
Disse que perdeu as contas
Das contas que ele contou
No seu rosário de contas
No seu rosário de dor
Seu coração destroçado
Por uma tal Maria Flor


Maria Flor me disseram
Povo de boca miúda
Que ela era manteúda
De um certo coroné
Cabra mofino,treitero
Só matava de tocaia
Protegido por um punhado
De homens da mesma laia

Zé de Carvalho sabendo
Dessa tramoia do cão
Fez trato com lobisomem
Que corre pelo sertão
Que matava só de susto
Cabra safado embusteiro
Ele era o sétimo filho
E o zé era o primeiro

Numa noite de lua cheia
Ouviram na escuridão
Os gritos de quem partiu
Para outra encarnação
Não sei se isso é verdade
Mas quem contou foi cancão
O cabra mais mentiroso
Lá das bandas do sertão

Maria Flor quando soube
Do fim desse coroné
Ficou numa alegria só
Querendo saber do zé
Mas zé estava esperando
O seu irmão retornar
Com a roupa do lado avesso
Pra desfazer o encanto
antes da manhã chegar

Por fim Zé de Carvalho
Venceu essa peleja do cão
Na noite de sexta feira
Junto com o seu irmão
Casou com Maria Flor
"O zé,é claro,bobão!"
Que pariu sete meninos
O último era bem franzino
E assim aconteceu
O que eu acabei de contar
Pra que gostou “muito bem !”
Pra que não gostou “azar”.

Renildo Borges

Diga psiu!

Diga psiu!
Não grite!
O amor é surdo
E se assusta facilmente
Com gestos bruscos


Antes ele gosta de olhar Só então se enamorar
Obter do olhar
a permissão
Tua mão na minha
Tu o rei
Eu a rainha
no reino de para sempre
mas se o claro se tornar escuro
e a paciência fugir de repente
Não grite!

Quem ouve bem
É o ódio
Escondido atrás
dos espelhos roxos
os olhos
tristes
olha a covardia estampada
em malditas madrugadas
de homens que pensam que amor é posse.


Renildo Borges

Esse nosso velho amor


Teus seios bonitos
Tuas curvas
Teu ventre
Teu gosto em minha boca
O calor das tuas coxas
Teu cheiro gostoso
de ontem e agora
Estão bem presente
em meu pensamento
parece tão jovem
esse nosso velho amor
que não cansa de nós dois



Você se maquia
driblando os anos
Sobe na esteira
Vai a pé pro trabalho
os cinco kilômetros
Sobe na balança
Faz bico emburrada
E briga com o tempo
Cremes ilusórios
Os olhos da cara
chá verde,de amoras
detox e agora...
pintando os cabelos
E esse nosso velho amor
acha tudo isso muito engraçado
E ainda se ri pelos cantos


Não vou a farmácia
Não compro aquilo
você sabe o que
Por que sou cardíaco
e posso morrer
mas vou lhe dizer
quando eu te toco
você tem apenas 24 anos
como no dia 1º de Maio de 1991
e esse nosso velho amor
também faz milagres
e ainda se ri pelas noites.


Renildo Borges

Amor ,ciúmes e outras drogas


Dentro do instante
num tempo escasso
fala o silêncio
dorme o cansaço
envelhecendo
toda a lembrança
pelo jardim
além de mim
tantos amores
inacabados
dança o ciúme
e os esqueletos
dos sonhos mortos
ao som da música
que canta o vento
em antigos portos
vai abafando
todo lamento
toda tristeza
e o vazio
por sobre a mesa
num prato frio
amores tortos
um desvario
que grita o dia
num assobio
na tempestade
na ventania
preces
lamentos
a agonia
desenterrados
detrás dos muros
do meu passado
há um passante
um viciado
guardando os restos
de uma droga estranha
chamado amor.


Renildo Borges

domingo, 29 de abril de 2018

Um caso de (bipolar3) amor a parte



Não foi um cavalo branco
Como as histórias que contam
Por aí,nesse mundinho de fada...
Na verdade nem cavalo era
Era uma mula ruana
Rosácea como aquela tarde
que se findava...
Ah,quer saber!Que se dane a montaria
Quero falar de quem vinha montado
Com aqueles olhos morenos
Me convidando...Hum !
Pode parar!
Ué,Por quê?
Não vou ficar inventando essa coisa toda
Só pra dar um “tchan” na narrativa
Se quiserem
Inventem vocês mesmo
Que mania de querer tudo
Mastigado...
Tá bom! Calma,mas continue...
Ele veio foi a pé mesmo
Mas tinha um gingado no andar
"Oh saco,lá vem ela de novo
querendo passar açucar no pudim."
E quando passou por mim
Ah!Teu cheiro era uma mistura
De coisa boa
Que embriagava
Não me notou
Será que é gay?
Nem se virou
Xii ! Acho que é gay mesmo
(Obs.Nada contra a boiolice de ninguém!
Que fique registrado pro pessoal da lgbt)
"Mas eu queria
Uma rimueta
Um vai e vem
Um cabra bom
Pra essas coisas"
E ele foi andando
fui conferir...é claro
Eu atrás dele
Torci o pé
De mentirinha
Truque barato
Mas veja os fatos...
Minha bolsa
Esparramou aquele monte
De coisa que mulher acha que tem que usar
Pela calçada...
Dei um gemido(pra dramatizar)é claro
Ele ouviu
Ao se virar
Viu minha boca
As minhas coxas
O meu tesão
Se interessou...
aquele brilho no olhar era inconfundível
Amor só veio depois
De...
Êpa! Que é isso?
Quase entreguei
Será que ficou subentendido?
Sei lá! Esse povo que lê as coisas que escrevo
Parece que estava lá comigo
De tanto que afirmam
Que era assim e assado
Mas voltemos
Ao meu príncipe,
Meu gato
Meu macho...
Meu macho?
Ê ! Não vem não
É meu macho mesmo
Por que eu sou uma fêmea
Só me faltava essa!
Dar pitaco nos machos das outras
Amor eu sinto pelo meu pai
Pelo meu irmão
Por ele eu sinto tesão
Vontade de ...
Desculpe! Eu sou
Um pouco inibida
Tenho que me policiar
Já pensou se escrevo
Tudo que me vem em mente
Quando carente
Nas noites ardentes
Nossa! Gente...
Mas acho que ele gosta
Por que até hoje
Não foi embora
E se demora
Na minha boca
Nas minhas coxas
Dentro de mim
Êpa! Dentro
Também é do coração
Ou não?
Que confusão
Em Ipanema
Nesse dilema
transcendental
No carnaval.


Renildo Borges

Quem domina a sua língua é o mais valente dos homens


Quanto custa aquelas palavras dita
Naquela hora maldita
De mãos dadas com o mal
sem paciência ou amor
a minha boca falou...
O teu olhar espantado
me indagando com cuidado
quem és tu?
Não me confundas...
com a tua boca imunda
que beija e me fala de amor


O tempo bateu em minha porta
Naquelas horas tão mortas
Puxou a cadeira e sentou
Fez as contas e me mostrou
O meu saldo negativo
Tantas palavras inúteis
Tinha dito a minha boca
pra encher homens vazios
e os meus bolsos sem fundo
pagando ilusão do mundo
onde tudo é apenas pó
poeira em olhos cegos

A saudade bateu em minha porta
Amarrou a rede no porão
Com ela trouxe a solidão
Se riam de mim
Nas madrugadas
Daquela velha piada
“A mentira tem pernas curtas”
"farinha pouca,meu pirão primeiro"
o homem com a arma na mão
-Repita se tem coragem!
o silêncio pela vida
"Antes um covarde vivo
que um valente morto"
falei em meu pensamento

A mentira entrou pela porta escancarada
Prometeu aparar as arestas
Me convidou pra uma festa
(another brick in the wall)
de minha memória morta
Eu já não tinha mais nada
O veneno em minha boca
Pronto para assassinar
Qualquer encanto
em meu pranto
Quando de repente
O espanto
minha boca dizendo a verdade
um vendaval...tempestade
invadiu a madrugada

O arrependimento se apresentou
vasculhou meus arquivos mentais
sentiu um cheiro de enxofre
me olhou...meneou a cabeça
em sinal de reprovação
mas estendeu-me a mão
e retirou as algemas da cobiça
de ser no mundo um artista
equilibrar em fio de navalha
antes da escuridão
a esperança
Lá ao longe onde a noite se encontra com o dia
vinha devagar
fazendo um levantamento
e a morte cobrando o tempo
Ora pro nobis
repetia a ladainha.

Renildo Borges

Advém


Eu nunca soube quem sou
Mas ele sabe!
Escreveu meu roteiro
Antes que eu me formasse no ventre de minha mãe
Devo interpretar o papel que me foi reservado...
Plantei frutas
Os passarinhos comeram
Os impostos comeram
Os moleques comeram
E eu fiquei com fome
Achei que aquele não era o meu papel


Peguei o script separados por capítulos
que dono da peça “advém” mandou escrever
Mas não gostei do papel de Jó,nem de Davi
Quis interpretar Matusalém
Mas disseram: O tempo é outro
Então fui pra Babilônia e resolvi ser faquir

Na minha cama de pregos
"deitado confortavelmente"
Satanás me ofereceu trinta moedas de prata
E um roteiro para interpretar Judas
Lí e relí e não gostei do final
Disse que não faria
Disseram: É o seu papel!
Então apelei para o livre arbítrio
Mas a resposta foi “Está escrito”.


Renildo Borges

Do seu rosnado eu tiro rosas


Me ofereceram dinheiro
pelo meu riso
pra alegrar suas vidas vazias
ri descaradamente
escancaradamente
como um demente
pra essa gente
impertinente
fingindo-se de contente

ficaram impressionados
(Não sabiam do que éramos capazes)
e quiseram rir
mas não podiam
faltou "know-how"
"savoir-faire"
erudição de quem "já é"
montado em cavalo do cão
lá no sertão de manhãzinha
arribaçã
arribação
pro mundo que rosna
ódio e rosas
me oferceram dinheiro
pra que os fizessem rir
me recusei
fiz cara feia
pobre só ri
por que conhece
todos caminhos
e as tempestades
todas as mentiras
e as verdades
o trem lotado
faltou o leite
uma garapa
pra aguentar...
quero casar
quanto é o cartório?
não é esposa
é companheira
quem tá comigo
a vida inteira
lhe disse a dona
da previdência
com arrogância
superioridade
como se fosse
alguma beldade
fiquei com pena
de minha morena
olhos no chão
e no cartão só
(companheira)
esposa não
quando me disse
fiquei com raiva
vendi meu riso
pra me casar
eles com tudo
e nós sem nada
compram sorrisos
compram prazer
o que eu faço
que vou dizer
vocês roubaram a alegria
a esperança
a euforia
a paciência
no preamar
como que eu posso te alegrar?
se é do seu rosnado que eu tiro rosas.

Renildo Borges

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

A maior queda é a em si mesmo


Peguei o atalho
onde não havia
orvalho frio...
das madrugadas
livros
igrejas
a lei dos homens
a lei de Deus
e onde fica
a lei do eu?
eu tão cansada
eu tão sozinha
eu tão mesquinha
querendo tudo
o mundo mudo
cego meu guia
mesmo de dia
academias
personal trainer
no meu divã
sem cara limpa
que eu não sou besta
me maquiei
pra te encontrar
e implorei o
status quo
e nem notou
a cara falsa
vagina seca
com vaselina
não me ensina
a ser mundana
pois sou uma dama
interpretando
o script imundo
de um mundo cão
eu sem perdão
num mundo vip
sonhos de valsas
nas madrugadas
de cinderela
ódio
amor
quanto me custa
o verdadeiro?
quanto dinheiro
pra te manter
sempre sorrindo
nas indas e vindas
dessa mentira
que cega a gente
mas ser contente
não pude ser
até eu ver
desconfiada
me beliscando
será um sonho?
caí em mim
muito abatida
tanta intriga
pra ser feliz
a lei dos homens
me castigando
você olhando
tô nem aí
no meu nariz
a ilusão
nenhum irmão
nenhuma mão
apenas o chão
e eu caída
juntando a vida
restos de mim
te perguntei
desconfiada
você me quer
depois de tudo?
mas ele mudo
me levantou
e lá no fim
me disse sim
é lei de Deus.



Renildo Borges

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Sui Generis



Eles me deixaram aqui fora
Trancaram a porta com risos
De hienas na carniça
(dízimo e ofertas)
Só por que não concordei
Em pagar pra ir pro céu
No mar da incoerência
Numa velha arca furada
Guiadas por quem tem olho e não vê
E aqui fora tem o céu
falei com quem mora lá
e não puderam tomar o céu
nem o livre arbítrio que ele me deu



Tomaram os livros sagrados
E incendiaram o ódio
(Mentira x Verdade)
Mas não puderam tomar
os velhos sábios
(que Deus esconde dos malditos)
Que encontro nos caminhos
Me falam sempre baixinho
(mato tem olho e parede tem ouvido)
Dos desvios que cortam caminhos
Pra se desviar do ódio
E encontrar o amor
E o amor não puderam tomar


Tomaram a minha comida
Mas alguém me deu sementes
Nem sei se (Ele) era gente
Tinha um olhar profundo
Com muita pena do mundo
(os homens em procissão
todos com velas na mão
adorando a mentira)
Me disse você tem o cheiro
O sabor
O paladar
Vá menino trabalhar
Isso não podem tomar


Tomaram meu cartão do sus
Um bando de urubus
Por que anulei meu voto
Cada botão que apertava
( aparecia um ladrão)
Com seu riso escrachado
Como se eu fosse burro
Confirmar pra ser roubado
Dei neles a maior canseira
Tomei chá de dormideira
figueira,alecrim cheiroso,
Melão de São Caetano
Que um raizeiro baiano
Me mostrou lá quintal
E quando não funcionava
Orava pra quem é dono
De mim ,de ti e do mundo
Pra confirmar se eu vivo.


Tomaram vergonha na cara?
Não!
Os medíocres não conhecem a vergonha.


Renildo Borges

Quando tudo do mundo falha


Meu filho mais novo
rebelde sem causa
andava nas ruas
pelas madrugadas
meu sono bem longe
também passeava
seguindo seus passos
em becos vazios
com cheiro de morte 

nas ruas do Rio


sentei
conversei
uma
duas
três...
Vezes
e a paciência...
o tempo...
a hora...
perdi meu emprego
com tanta demora


comprei celular
e dei de presente
para rastrear
saber onde estava
nunca respondia
nunca me ligava
pra um velho idiota
covarde o bastante
(ou será que é amor)
podia mandá-lo
embora num instante
e tudo acabava
ficava só a dor
de vê-lo distante
da mãe e do pai
por entre as fileiras
dos que não voltam mais


um dia um homem
(não sei se de Deus)
sentado ao meu lado
eu nada lhe disse
mas ele falou
"orai sem cessar"
confie e espere
quando me vem o sono
eu ORO
e meu filho chega antes que
eu adormeça completamente.


Renildo Borges

Por onde o vento nos levou.


Já quis ser porto seguro
segurar em mim quem chegasse
já quis ser uma folha seca
ir por onde o vento levasse
já quis me esconder no escuro
pra clarear as ideias
 


já quis em alguns dias claros
esconder promessas velhas

mas devagar gira as horas
de quem espera ilusão
de quem voa em quimeras
caixa de pandora
prometeu
roubando o fogo que havia
no coração que era meu


Já quis ser alegre um dia
na ciranda dos que dançavam comigo
mas eu era uma rosa velha que
já não tinha perfume
minhas petálas
rublas de vergonha
caindo como a chuva
me afogando em tristeza
num lago de saudade em mim
do quis ser e nunca fui


Já quis ser apenas o gosto
em tua boca
e na minha
mas não a tua saudade
que chega à boca da noite
junto com a solidão
pra conversar e lembrar
de coisas que foi vontade
de coisas que foi paixão
por onde o vento nos levou
nos becos da ilusão
mas os hipócritas
(escondidos em suas madrugadas vazias)
sempre chamarão de pecado.


Renildo Borges

O tempo falará por mim

Quando eu era menino
ouvia aqueles homens
Com seus dedos em riste
Com suas vozes altas
Com seus ares de quem podia
Dar ordem ao meu pai
de forma brusca
Que sempre obedecia
Raramente questionava
Dava vontade de perguntar
-Porque o senhor permite isso?
Mas eu assim como ele
também não tinha coragem
e assim seguia a vida na mesma ladainha
faça isso ,faça aquilo...



um dia lá pelos catorze anos
com a paciência esgotada
criei coragem e perguntei
meus irmãos se afastaram depressa
quando nosso pai nos encarou
pensei em correr também
mas fiquei ali preso
querendo sair e sem poder
as pernas tremendo
a boca seca
aquele bolo na boca do estômago
o medo da palmatória

meu pai percebeu a minha dificuldade
e desfez aquela cara medonha que nos assombrou
e se aproximou devagar
chamou meus irmãos e nos disse
da dificuldade de arrumar trabalho
por não ter estudo
e que precisava do dinheiro para nos sustentar
e então entendemos que aquilo era por nós
mas mesmo assim eu disse a mim mesmo
que não ia querer ter filhos e nem mulher
não ficaria preso aquela condição


e lá fui eu pelo mundo com a minha cara feia
e meus dois metros de altura
metendo a mão na cara
dos que achavam que eram
dos que queria me humilhar
dos que não tinham respeito
dos que queriam mandar


mas aos 29 anos
Ela apareceu
Com sua negra cabeleira
Com os seus olhos de vem comigo
como seu andar gingado
Ah,meu Deus! Eu tô lascado!
Com seu cheiro de amor...
Dia desses nosso filho mais velho perguntou:
-Pai ! Hoje não é domingo?
Olhei pro meu pai que agora mora conosco
Abaixei a cabeça e fui trabalhar
Por que sei que o tempo falará por mim


Renildo Borges